Há dias vi de passagem uma imagem de Laura Ferreira, esposa do nosso Primeiro-Ministro, em público sem cabelo. Sabia já que esta senhora estava numa luta contra um cancro e facilmente percebi a razão de estar sem cabelo. A notícia queria no fundo questionar até que ponto deveria Laura aparecer publicamente sem um lenço, uma cabeleira, para tapar a nudez do crânio. Questionava-se até que ponto poderia faze-lo sendo ela uma personalidade pública e, por isso, ter intenções de retirar proveitos políticos para o seu marido. Ao princípio ignorei porque a liberdade de cada um aparecer em público com uma determinada aparência é inquestionável, qualquer que seja a importância social dessa pessoa.
Mas, como em tudo, fizeram-se diversas leituras a gosto de cada oportunidade e pelos vistos o caso continuou a ser escrutinado como se qualquer cidadão tivesse direito de o fazer – assim ditam as regras da liberdade de expressão. É importante distinguir o que é público e o que é privado. O que é público deve ser questionado, escrutinado, investigado e justificado porque diz respeito a todos; o que é privado deve assim ser aceite. Não se preocupem os arautos da crítica quanto à consequência política que o caso de Laura pode provocar nas legislativas que se aproximam. Querer afirmar que há um aproveitamento político é um pensamento, no meu entender, mesquinho. É difícil quantificar os votos que a coligação conseguirá angariar fruto da pena e da desgraça de alguém. É utópico. É uma perda de tempo. A batalha política deve centrar-se noutros rumos, noutros dados, noutras propostas. Assusta-me quando as máquinas partidárias tentam, a qualquer custo, ao de leve e de forma inocente lançar lume na vida privada de alguém, para que o povo acorra a incendiar ainda mais.
Acima de tudo, é importante referir que: Laura Ferreira é uma mulher forte. Não tem que sentir vergonha, constrangimento, por publicamente mostrar as cicatrizes de uma doença que deixa marcas e muito sofrimento. A revista “Visão”, desta semana, fala das mulheres que negam ter de andar com uma cabeleira ou com um lenço para tapar aquela nudez, a falta de longos e belos cabelos que é muito característico da mulher. Vergonha que as outras pessoas olhem? – pois que olhem. De chocar? – pois que choque. A realidade não pode, nem deve ser escondida. Acredito que para um homem seja fácil estar sem cabelo, muitos até o rapam, muitos são carecas. Para uma mulher, a perda de cabelo é um desgosto e uma marca que deve ser profunda, assim como profunda é a falta de um seio – difícil de recuperar. Cabelos, seios e tudo o resto que se extrai são partes delas e deles que sofrem com o cancro. Sofrem – talvez ainda poucos tenham a noção do sofrimento. Quantas mulheres sentem a vergonha de si? Quantas têm dificuldade de se olhar ao espelho, para encarar o seu corpo marcado por uma doença que quer matar aos poucos? Quantas só sentem que podem ser elas em casa, longe dos olhares alheios? Quantas escondem com as roupas o sofrimento, que se manifesta em casa, sozinhas e, muitas vezes, sem apoio? Porquê vergonha de mostrar a careca?
Lembro-me do artigo de Henrique Raposo, no semanário “Expresso”, desta semana, quando diz que não têm que sentir vergonha as mulheres alvo da desgraça que lhes aconteceu. Não se deve ter vergonha de algo que não foi desejado, nem tão pouco provocado por elas. Ficar sem um seio, o cabelo ou ter qualquer outra cicatriz é sim um sinal de: CORAGEM. Coragem porque se luta pela vida. A estas pessoas deseja-se coragem, força, energia e que não deixem de acreditar que podem voltar a viver com qualidade de vida e felizes. Não se perde a beleza com a falta de cabelo, mas conquista-se o reconhecimento pela força. Não olhem para alguém que usa o lenço com pena; SORRIAM. Não façam festinhas com lágrimas: agarrem com força e digam: ÉS UM(A) GERRUEIRO(A). Ainda bem que Laura Ferreira tomou esta atitude. De algo que é pessoal e da vida privada, tornou público, falado e comentado, para que o assunto não fique só em pequenas conversas, mas seja exposto, para que as mulheres e os homens sintam a coragem de trazer para a rua o sofrimento que escondem em casa - só para fingir que está tudo bem quando não está.
Laura Ferreira é uma mulher com coragem e ainda bem que os holofotes ficaram sobre si, para que também de fora venha o conforto das palavras e das pessoas para sentir otimismo na luta contra esta doença. Parte da luta contra o cancro vem da energia positiva que os outros possam dar; nem que seja para minimizar um pouquinho o sofrimento; nem que seja para acreditar e para ter esperança; nem que seja para se ter força para aquele tratamento tão doloroso. O que pensará um doente com cancro quando toda a gente está ali a dar força, naqueles momentos dolorosos? VOU VENCER!