Por: Manuel de Sousa




A lógica de gestão das empresas passou a ser o aumento do lucro com imposição de aumento da produtividade dos seus trabalhadores, a baixa de salários e a quebra de direitos e garantias, assim como, a redução de custos nas mais diversas áreas, mesmo que essas reduções impliquem a diminuição das condições laborais.




Os trabalhadores em muitas empresas passaram a ser meros bobos voltados para o trabalho e o aumento da produção, mesmo que esteja acima dos limites pessoais. A qualidade de produção deixou de ser o lema de chefias, a quantidade passou a velha máxima que todos são obrigados a aceitar para se manterem no mercado de trabalho.




Se o princípio da nossa existência era «Penso, logo existo», actualmente será «Produzo, logo existo». Caso assim não seja, profissionalmente e até socialmente poderemos ser considerados como inúteis na vida activa. Deixaram quase de existir princípios humanos que foram sendo substituídos por valores e padrões económicos cada vez mais exigentes e agressivos, para os quais o ser humano teve de se moldar com a mesma rapidez que a mudança de filosofia das empresas.




As consequências sociais provocadas por esta lógica do sistema capitalista, que teima em subsistir na sua crise e caos, são profundas e preocupantes para a qualidade de vida e para a existência do ser humano, consequências que poderão provocar colapso dessas mesmas empresas e a condução ao seu fracasso. Quanto mais estas entram nesse colapso, mais exigências são feitas e maior é a pressão causada, como se isso provocasse algum resultado positivo para a solidez e sobrevivência dessa empresa.




As realidades provocadas por estes princípios de gestão empresarial não têm passado despercebidas aos olhos dos empreendedores e dos trabalhadores. Os exemplos que nos chegam de França, onde se registaram 25 suicídios e 14 tentativas num período inferior a dois anos, numa única empresa, a France Telecom, está a fazer o mundo acordar para uma realidade que não é nova, mas que durante muito tempo viveu escondida e abafada e, se calhar, ignorada pelas empresas causadoras dessa mesma realidade. Porém, ainda existem poucos estudos sobre esta realidade, contudo, acredito que se os mesmos forem feitos seremos sobressaltados para uma verdade bem agreste e que obrigará a uma tomada de posição de todos nós.




Estima-se que haja, em França, um suicídio por dia relacionado a questões laborais. Em Portugal não é possível obter quaisquer dados que permitam obter a razão dos suicídios relacionados com o mundo laboral. Sabe-se, no entanto, que o número de baixas médicas registadas em Setembro subiu na ordem dos 60% comparando com o mesmo mês de 2008. Estará esta subida relacionada com problemas laborais? Seria muito importante que se debruçasse sobre a matéria para termos a noção de como vive a nossa população activa nos seus empregos. Caso contrário, poderemos ignorar uma realidade que poderá ser bem dura e dramática.




Apesar de convivermos com muitas situações de desmazelo e falta de profissionalismo de muitos trabalhadores de empresas públicas e privadas, que não representam correctos exemplos a seguir, tal não deve ser motivo para que se generalize aos restantes trabalhadores que actuam de uma forma activa e empenhada nas suas tarefas. Caso isso aconteça, é cair no maior erro e apoiar uma falsa questão, tantas vezes levantada por governos e patronatos com o objectivo de avançar com as suas políticas reformistas. Políticas que, por vezes, se afastam da realidade de um trabalhador, que tenta sobreviver com um salário baixo, com horários laborais impensáveis e com obrigatoriedade de atingir objectivos de produção acima do possível.




A crise económica numa era de Globalização criou agonia na gestão de uma empresa. A crise gerada num sector produtivo, num lado do planeta, mexe com o trajecto de uma empresa do outro lado do globo. Deixamos de trabalhar numa economia caseira, regional e nacional e passamos a uma lógica global. Se a globalização teve princípios positivos no desenvolvimento da economia e na sua progressão, também teve princípios e consequências negativas com o aumento do capitalismo selvagem e desregulamentando e com grandes penalidades para o trabalhador. A lógica passou a ser a diminuição de custos de produção e consequente diminuição de salários e condições laborais. Caso este cenário não se verifique, as empresas lançam-se nos despedimentos e mudam-se para locais de mão-de-obra barata, por vezes mais qualificada e com leis laborais indefinidas que atraem o investimento. Contra isto, será necessário que exista alguma uniformização de princípios e de lógicas comerciais entre governos e parceiros sociais, adequando-se às realidades de cada Estado.




A lógica capitalista é muito cega nas atitudes que toma porque têm a visão do lucro fácil e imediato e não o sucesso a longo prazo de uma empresa ou de uma marca. Caso fosse o sucesso e a afirmação a longo prazo, teria a visão que tal só é viável com a criação de postos de trabalho remunerados de forma correcta, de condições de trabalho dignas para cada um dos trabalhadores e de uma correcta gestão, com princípios, dos recursos humanos.




As situações extremas de stress laboral não conduzem apenas ao suicídio, pensar apenas nesta consequência é limitar o nosso estudo e a realidade. Temos de pensar nos casos de depressão, alcoolismo e desestruturação familiar e social. Estes problemas causam prejuízo para as empresas que passam a ter um mau colaborador, descontente, sem iniciativa, sem capacidade de produzir os mínimos. Com tudo isto, aumentam os acidentes laborais, os erros, entre outros prejuízos inerentes. Esta problemática tem também consequências para o Estado que em lugar de um trabalhador activo, passa a ter um trabalhador dependente de ajudas e subsídios.




Este é nada mais que um problema social, que exige respostas urgentes e conscientes para uma realidade dura e muito próxima de cada um de nós.




O princípio de uma lógica de lucro fácil para a sustentabilidade empresarial é um princípio de erro tão elementar que conduz a um resultado complexo e de consequências sociais e económicas alarmantes. As empresas devem reger-se por princípios de qualidade. Não podemos ter trabalhadores, equipas e empresas produtivas com funcionários tristes, desmotivados, com problemas psicológicos, familiares, com problemas de saúde gerados pelo stress laboral como insónias, depressões e irritabilidade.




O princípio da cooperação entre funcionários e entidades patronais é o melhor segredo para o sucesso. Existem empresas que se preocupam em agir desta forma e os resultados estão à vista. Neste aspecto é necessário trabalho eficiente e cooperativo de entidades sindicais e governos.




O exemplo Francês é apenas um em muitos outros exemplos por esse mundo fora. Se neste país desenvolvido já se assiste a uma realidade brutal como esta, como será em outros países numa situação pior, de necessidade de desenvolvimento ou em países que são economias emergentes?




Este artigo não se trata de uma lição aos empresários ou de um tratado de gestão. Este artigo é uma visão que se pode ter do mundo e da forma preocupante como ele evolui. Não podemos evoluir para um mundo melhor se caminhamos para o caos social causado por um capitalismo selvagem.




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