HOJE, JE SUIS O QUÊ?
A imagem choca. Trata-se de uma imagem que não necessita de qualquer legenda. Facilmente sabemos o que retrata. A imagem tornou-se num símbolo, para algo que está às nossas portas, mas para o qual ainda estamos a acordar. Falo da fotografia do menino morto que deu a uma praia. A imagem que está a correr mundo. Capaz de arrancar lágrimas e indignação aos que condenam aquilo que está a acontecer no Mediterrâneo. Já nos comoveu. Será que é capaz de comover quem decide as políticas da Europa? Será capaz de comover aqueles que erguem os muros com medo de perder identidade e de perder o país? Não tocará no coração de muita gente. Infelizmente. Toca pelo menos nos milhares e milhões de pessoas anónimas que sentem a revolta por tudo o que está a acontecer. Falamos de seres humanos. Não falamos de mercadorias. Não falamos de embargos económicos para travar conflitos. Para as mercadorias há tratados, leis, suspensões imediatas. Para a humanidade os tratados estão a ser pensados e as reuniões ainda são segundo plano. Quantas mais crianças têm de dar à costa? Sem vida. O que faríamos se nas nossas praias todos os dias chegasse uma criança morta, enquanto apanhamos saudosos banhos de sol? Ficaríamos calados? Quietos? Simplesmente pena? Se este fosse o meu filho? Como reagiria no meu do sofrimento? Se fosse o teu filho? O que farias para vingar a sua morte? Procuramos desviar esses pensamentos. Não podemos. Qualquer um de nós poderia viver aquela história. Eu tenho vergonha da Europa neste momento. Não aprendemos nada com a Segunda Guerra Mundial, com os campos de concentração para o extermínio. Desta vez a solução para o extermínio é o Mediterrânio. É triste que esta imagem tenha de ser utilizada para chocar a consciência de cada um. Mas assim tem de ser. Fechar os olhos é ignorar o mal que nos bate à porta. Quero acreditar que a Humanidade não se perdeu. O que podemos fazer? Se antes dissemos convictamente: “Je suis Charlie”. Hoje Je suis o quê?