Esta é a imagem de uma das mulheres mais corajosas da História da Humanidade.


O seu rosto pequeno, demonstra uma ternura infinita e um sentido de maternidade tão forte, que inflama muitos corações de homens e mulheres que se espalham por esse mundo fora e que a ela agradecessem pelo facto de existirem.


Esta é para sempre a mãe de muitos porque a muitos lhes deu a vida, de forma escondida e clandestina.


Mulher, Assistente Social, Anjo do Gueto de Varsóvia, Heroína, Mãe. São tantos os adjectivos que poderíamos utilizar para classificar este ser humano, que sempre se apresentou perante o mundo de uma forma humilde, carinhosa, no anonimato, mas ao mesmo tempo conhecida pelo mundo inteiro.


Nem eu conhecia esta mulher, até algum tempo atrás receber um e-mail de um amigo que suscitou o interesse e que provocou a minha comoção. Comoção pela história de vida, de sacrifício e de total entrega para com o seu próximo.


Irena Sendler nasceu a 15 de Fevereiro de 1910, na Polónia. A sua vida ganha especial relevo na altura da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha invade a Polónia, por volta de 1939. Nessa altura, Irena era Enfermeira do Departamento de Bem-Estar Social de Varsóvia, onde cuidava de pessoas necessitadas, doentes, fossem elas Judias ou Católicas. Para além de comida, também dava a essa gente roupa e medicamentos.


Após a invasão da Polónia e por volta de 1942, os Nazis criaram o Gueto de Varsóvia, como forma de isolar a comunidade Judia de Varsóvia e impedir a sua movimentação, sendo depois transportados para campos de extermínio nazi. Nessa altura, o trabalho de Irena começa a ser cada vez mais dificultado no apoio à população Judia, de forma a colmatar as suas dificuldades, e também começa a ser um trabalho muito perigoso.


No Verão de 1942 Irena integra o movimento de resistência Zegota, que era um organismo de ajuda aos Judeus. Conseguiu identificações do gabinete sanitário para si e para as suas colegas, com a tarefa de lutar contra as doenças contagiosas. Como polaca teve a possibilidade de se juntar aos Judeus porque os Alemães tinham medo de uma epidemia de Tifo e entregaram aos Polacos a possibilidade de tratar dos Judeus, evitando o contacto directo com estes.


Dizem que, como forma de união com essas pessoas, utilizava as braçadeiras que os Judeus eram obrigados a utilizar para serem identificados das restantes pessoas. Com grande facilidade esteve em contacto com famílias a quem continuamente prestava ajuda. Na sua aproximação a essas famílias pedia-lhes que lhes entregasse os seus filhos com o objectivo de os tirar do Gueto e, de alguma forma, dar a esperança de pelo menos estes sobreviverem ao extermínio nazi. Os pais das crianças nem sempre aceitavam a proposta de Irena, dado o sofrimento da separação em momentos tão difíceis. Muitos dos pais que ofereceram a resistência e que eram procurados posteriormente por Irena ou pelas suas companheiras, já tinham sido levados para os campos de concentração. Irena não tinha respostas, certezas quando as mães entregavam os seus filhos e questionavam «Podes prometer-me que o meu filho viverá?» Quem lhe dera poder responder, mas fazia o que podia.


Havia a esperança que essas crianças ainda poderiam sobreviver, não sobreviveriam se ali ficassem. Se ficassem eram com certeza levadas, sem piedade, para a morte. Essa esperança no coração de Irena e com ajuda de colegas permitiu que num ano e meio, até ao fecho do Gueto, fossem salvas 2.500 crianças. Começavam a sair em ambulâncias com a indicação de vítimas de Tifo e também em sacos, cestos do lixo, caixões e tudo mais que pudesse camuflar uma criança para a fuga.


Durante este tempo e a cada fuga elaborava documentos falsos, com assinaturas falsas para que essas crianças pudessem manter-se vivas. Mas, a sua preocupação é que elas não poderiam perder a sua verdadeira identidade, as suas origens. O seu desejo é que um dia recuperassem tudo novamente. Para tal, criou um arquivo pessoal onde registava a entidade verdadeira de cada um e identidade nova, de forma a ser possível restituir mais tarde, em tempos de paz.


O arquivo pessoal era guardado em latas de conserva, que enterrava no quintal do seu vizinho, junto a uma macieira, sem que ninguém suspeitasse. Irena durante muito tempo escondeu a história e origem de 2.500 crianças. Um dos segredos mais bem guardados, em latas de conserva.


A 20 de Outubro de 1943, Irena é presa pela Gestapo (polícia secreta do Estado), que descobriram o que andava a fazer. Esteve na prisão de Pawiak, onde foi torturada a ponto de lhe partirem os ossos dos pés e das pernas. As torturas eram feitas para que revelasse o nome de outras pessoas que colaboravam consigo e dissesse onde se encontravam as crianças. Porém, esta mulher manteve o segredo de forma inviolável. Foi condenada à morte. No caminho para a execução um soldado leva-a a um novo interrogatório e à saída apenas lhe disse «Corra». A sua saída foi resultado do suborno aos alemães feito pelos membros da organização onde esta trabalhava.


Apesar de todo o seu sofrimento na prisão e de ter sido condenada á morte (o seu nome figurou na lista dos executados), voltou ao seu trabalho sob identidade falsa, com um nome código de Jolanta.


Dizia esta mulher que a sua luta pela paz, se deve a uma imagem de Jesus que encontrou num colchão de palha no tempo em que esteve presa. Essa imagem, deu-lhe força e coragem para continuar a sua luta pelo salvamento destas crianças. Entregou-a em 1979 ao Papa João Paulo II.


Acabada a guerra, Jolanta desenterra a latas com as identidades de cada uma das crianças. Procurou-as, pelos orfanatos, conventos, famílias Católicas de acolhimento e devolveu-lhes a história e as origens. A maioria dos seus parentes foram exterminados, outros espalharam-se pela Europa a quem ela conseguiu encontrar e entregar os filhos.


Anos mais tarde a sua história e fotografias da época foram publicadas num periódico e aqueles que eram crianças na altura reconheceram a fotografia. Era Jolanta, a verdadeira Irena. Muitas cartas, telefonemas e visitas passaram a fazer parte do quotidiano desta mulher. Todos os que a reconheceram procuraram-na para lhe agradecer a vida por quem ela decidiu lutar.


Em 1965 foi condecorada como cidadã honorária de Israel. Em Novembro de 2003 foi condecorada com a Ordem da Águia Branca.


Irena Sendler foi candidata a prémio Nobel da Paz, que nesse ano seria entregue a Al Gore.


Durante muitos anos permaneceu numa cadeira de rodas devido às torturas que sofreu durante a prisão. Mas sempre acompanhada por imensa gente que a procurou. Apesar de tudo, esta mulher dizia sofrer até ao final da vida porque «Poderia ter feito mais, e este lamento continuará comigo até ao dia em que eu morrer».


Morreu a 12 de Maio de 2008, aos 98 anos de vida.


Para muitos de nós, não teria que ficar com esse lamento, de poder salvar mais crianças. Salvar 2.500 foi um acto de grande heroísmo e de amor para com os outros. Esta é uma história de uma mulher que para além de salvar tantas crianças, teve a preocupação de manter as suas origens, como símbolo de respeito pela cultura e pela diferença que cada um representa.


Existirão muitos heróis na história da humanidade e que permanecerão no anonimato ou serão do conhecimento de poucos porque estes apenas se preocuparam no que era realmente importante, salvar vidas.


São estas histórias reais que devem constituir como exemplo de vida e de coragem pela defesa de valores.


Irena Sendler é de facto uma grande mãe, com um coração do tamanho da Humanidade.


Vale a pena ficar com uma última frase sua, que resume a sua luta durante a vida:


«A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade.» - Irena Sendler


Manuel de Sousa


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