Em 2008, publiquei num velho blogue da minha autoria um texto sobre o Natal. Decidi partilhar esse texto neste blogue porque parece que continua atual. Tem uma dose de moralismo, que até a mim me atinge porque pertenço à mesma sociedade cheia de vícios e a precisar de uma renovação.
«Dar, oferecer, termos que muito se usam neste período de festas.
Todos os anos é sempre a mesma coisa, a ponto de se tornar numa rotina anual, que provoca em nós uma azáfama e uma correria, causadora de um certo stress e mau estar - ter que pensar naquilo que temos para oferecer, a quem oferecer e se será a prenda ideal.
Em tempo de crise, em que o dinheiro pouco chega para o dia-a-dia e muito menos para as prendas, a preocupação das ofertas mantém-se, sem que haja qualquer controlo sobre a situação. Se há pessoas que têm a doença consumista durante todo ano, nesta altura, a mesma doença atinge uma grande proporção, capaz de contagiar a sociedade na sua generalidade.
O Natal tornou-se algo assim - perdeu grande parte do seu espírito e passou a ser uma festa consumista, que a sociedade aproveita para dar e receber a tudo e a todos, quando durante o ano muitos dos amigos e das pessoas ficam esquecidas e são simplesmente ignoradas.
É a febre do consumismo que altera o sentido de comemoração do Natal como festa Católica, mas ao mesmo tempo Universal, onde o verdadeiro sentido é o da fraternidade e comunhão entre todos. No entanto, muitas vezes, acho que no meio de tanta confraternização, haja uma certa hipocrisia de época e um certo trocar de sorrisos amarelos. Ainda existe o uso de usar a roupa nova para mostrar à família e aos amigos. Ainda existe o hábito de ir á missa do dia de Natal, quando durante todo o ano a importância pelo Deus Menino é mínima ou inexistente.
Num mundo laico e racional, em que supostamente deveríamos viver, está a tornar-se num mundo de crença ocasional, em que Deus é a presença ocasional e utilizado para uma exibição social.
O verdadeiro espírito natalício, que deveria residir no coração e exteriorizado de forma simples e sincera, está transformar-se numa exteriorização extravagante e sem qualquer sentido interior. Aquilo em que esta época se torna é um vazio, onde o calor humano é cada vez mais raro.
Valerá a pena apregoar que o Natal é sempre que o Homem quiser, quando o sentido em que vivemos é muito diferente? Valerá a pena o envio massivo de mensagens escritas, para pessoas que durante o ano não recebem um simples olá por mensagem? Terá sentido mensagens formatas e plásticas, iguais para todos, quando na realidade cada um merece uma felicitação em particular com o verdadeiro sentido que une essas pessoas?
Fará sentido apenas no Natal serem efectuadas campanhas de solidariedade, para dar a quem mais precisa coisas tão essenciais à dignidade humana, quando essas necessidades perduram todo o ano? Porque razão o sentido de dar apenas ganha expressão nesta época? Onde estamos nós durante o resto do ano? Estaremos no mesmo mundo? Veremos as mesmas pessoas?
Parece que não, parece que a solidariedade não é necessária e o mundo vive no seu melhor conforto - era bom que assim fosse -, mas a realidade do dia-a-dia é bem diferente e um tanto dolorosa.
Era bom que o Natal voltasse a ter o sabor e o espírito do antigamente, onde muito mais que uma troca de presentes, fosse uma troca de sentimentos verdadeiros e sinceros e que permanecessem durante todo o ano. Era bom que deixasse de ser aquela rotina de compra de prendas, com que se entopem as nossas cidades, que na procura desesperada de alguma coisa que não sabemos o quê.
Está nas nossas mãos um pequeno esforço que estale o verniz com que nos untamos, para parecermos bonitos nesta época - quando durante todo ano nos mostramos como pessoas feias.
O Natal vem de dentro para fora e não o contrário. Será que ainda vamos a tempo de contrariar esta tendência?
Era bom que sim; mais vale tarde que nunca; mas há sempre uma incógnita quanto ao futuro.»