GOLDEN SHARE PARA DEFENDER A PT DA TELEFÓNICA. GUERRA ENTRE ESTADO E TELEFÓNICA, PT ASSISTE.
Por: Manuel de Sousa
«O Governo não abdica de nenhum instrumento disponível para defender os interesses de Portugal». São palavras de José Sócrates em relação ao veto do Estado Português, na venda da Vivo, à Espanhola Telefónica. Joana Amorim, no artigo do Jornal de Notícias, a 03-07-2010, realça esta mesma frase referindo-se a ela como uma atitude de arrogância que o primeiro-ministro não soube gerir.
A semana que passou foi uma semana dura para Portugal e para a economia portuguesa. Para além da derrota futebolística frente à Espanha no mundial, falta saber se estaremos perante uma outra derrota, frente ao Tribunal Europeu de Justiça quando der um veredicto sobre o caso.
O que pode uma golden share sobre os destinos de uma empresa como a Portugal Telecom?
Pelo desenrolar dos acontecimentos do passado dia 30-06-2010, na Assembleia Geral para a venda da Vivo à Telefónica, o poder da golden share parece ser bem maior que o esperado, a ponto de vetar o negócio aprovado por 62% do núcleo duro de accionistas. Uma participação do Estado Português de apenas 500 acções douradas. Apesar de uma posição minoritária, esta confere-lhe poderes especiais, para manter poder sobre empresas que foram do Estado. Poder que permite eleger um terço do total de administradores e também o presidente, poder de vetar alterações aos estatutos, alterações ao aumento de capital social e emissão de obrigações e uma posição em relação à compra e venda de empresas nos vários mercados.
Apesar da golden share existir desde sempre e dos seus accionistas saberem o que esta representa nas decisões do grupo, não compreendo a surpresa que a decisão do Estado provocou na Assembleia Geral. Certamente, que o negócio no valor de 7,15 mil milhões de Euros seria um valor mais que justo ou mesmo acima do esperado e iludidos pelo montante nunca imaginavam um bruto travão.
O futuro parece previsível porque a Comunidade Europeia não considera legal a existência de golden shares pelos Estados de cada país, que impedem o livre funcionamento dos mercados internacionais. Além disso, o direito internacional europeu prevalece sobre o direito nacional. O cenário provável é a Comissão Europeia solicitar ao Tribunal Europeu de Justiça que condene o Estado Português ao pagamento de uma sanção pelo abuso cometido, uma sanção que indemnize a Telefónica e os accionistas da PT.
A decisão do Tribunal Europeu não vai acabar com a golden share, esta continuará a existir, embora não possa ser utilizada em manobras económicas como a que se encontra a ocorrer. O veredicto do Tribunal de Justiça será sobre uma queixa apresentada em 2008 pela Comissão Europeia. O que podemos depreender que as decisões vindas da UE são demoradas e que poderão mesmo assim retardar o negócio que ficou pendente. Se a decisão não for em nosso favor, não haverá forma de recurso. Porém, não existe qualquer prazo para cumprimento das decisões. Neste aspecto poderemos concluir que o vazio legal existente nesta matéria será certamente uma barreira para os que desejam concretizar o negócio de venda da Vivo.
Zeinal Brava e Henrique Granadeiro podem ter sido apanhados de surpresa com a posição do Estado quando, na Assembleia Geral, os accionistas votaram favoravelmente à venda, mas nada puderam fazer quando a decisão de aceitar a posição da golden share cabe ao Presidente da Assembleia Geral. Uma decisão que os administradores tiveram de aceitar resignadamente e sem contestação. Coube-lhes apenas apresentar toda a informação necessária aos accionistas. Digamos que o cargo de administradores é limitativo nas decisões mais importantes da empresa. Por esta razão, não faz sentido que se equacione a hipótese de uma acção em tribunal contra a mesma administração porque a decisão partiu da Assembleia Geral, que se deverá ter baseado nos estatutos da PT.
Perante os factos que se sucederam em todo o processo e a possível ilegalidade do acto do Estado a nível internacional muitos terão revelado revolta pela decisão e pela supremacia do Estado em querer manipular a liberdade do mercado e a vontade da maioria dos accionistas. Dos quadrantes políticos a decisão parece ser unânime e todos, de forma geral, terão aceitado e apoiado a decisão do Governo Português. O Governo considera que a Vivo é um activo muito importante para a PT e para a sua internacionalização. Foi uma atitude de defender a segurança da PT e os interesses económicos portugueses, no momento em que a economia necessita que as empresas tenham a possibilidade de se internacionalizar. Não considero que o Governo tenha agido de má-fé ou de falta de consciência em relação ao negócio. O executivo limitou-se a utilizar um direito que lhe está conferido, a golden share. Presumo que, como disse anteriormente, os accionistas sabiam da existência da mesma e do poder quando compraram acções da PT. A acção de veto foi uma acção defensiva. Não podem os espanhóis da Telefónica contestar este tipo de movimentações porque estes não serão os mais sérios em negócios e também eles sabem defender os próprios patrimónios para que a acção de estrangeiros sobre o país seja limitado. Pode não ser através de golden shares, mas serão de outras formas jurídicas. Muitos lembram agora o caso da tentativa de aquisição da Endesa pelos alemães. Porque não contar o número de negócios e empresas que Portugal detém no país de nuestros hermanos. Reza o velho ditado que, «de Espanha nem bom vento, nem bom casamento», a ser verdade estes irmãos não são o bom exemplo a seguir.
Apesar da atitude do Estado, que não discordo na totalidade, compreendo a posição dos accionistas e estaria do lado deles se estivesse na mesma situação. Estamos em crise e alguns accionistas achavam esta oportunidade de venda uma forma de obter dinheiro de que necessitam e que todos sabemos que é escasso. Compreendo que seria uma forma da PT reter algum dinheiro para pagamento do seu passivo, nada pequeno, junto dos seus credores.
A venda da Vivo não deixa de ser um pau de dois gumes. Se por um lado se arrecada muito dinheiro, por outro lado, a PT perde grande parte da sua dimensão no mercado das telecomunicações. Numa era de globalização, a venda da Vivo atira a PT para uma empresa regional e com dificuldades de encontrar entrar num outro mercado tão emergente quanto o Brasil, com uma dimensão e possibilidade de crescimento fabulosa. Se a Telefónica oferece um custo assim tão elevado é sinal de que o mercado em que a PT se encontra é bom e que deverá manter. Sabemos bem que a chegada ao Brasil foi tempestuosa e que muito trabalho teve de ser feito porque a rede de comunicações do Brasil era muito frágil e um verdadeiro caos. A PT teve de assumir esse difícil mercado, como o pode agora entregar?
Custa-me a compreender as acções e sanções da Comunidade Europeia que tenta de alguma forma impor regras e limitações de acções do Estado sobre as suas empresas. Julgo que na realidade perdemos a nossa soberania e as nossas regras de nada valem, mesmo cá dentro. Talvez parte da culpa esteja também no tratado Europeu que Lisboa e a Presidência portuguesa tanto se esforçou por aprovar.
Quanto ao Estado, quando se diz que não pode intrometer-se no negócio das empresas é muito relativo, quando estamos perante uma empresa que em tempos foi pública. Foi privatizada, mas o Estado ainda pretende manter algum domínio sobre esta. O que se passou não se trata de um nacionalismo moderno da era da Globalização, mas trata-se da defesa das nossas empresas, para não serem entregues a outros domínios. Por muito que não se deseje, o Estado é importante na defesa de uma economia e deve ser um responsável pela modernização, crescimento e regulamentação do nosso mercado. As empresas actuam por si, mas também compete ao Estado uma acção de charme noutros países porque são essas acções de charme que proporcionam o crescimento de acordos, contratos e cooperação entre países e empresas. A acção do Estado não pode nem deve ser subestimada.
Muito mais se irá ouvir em relação a este assunto e acredito que se prolongará para além do dia 16 de Julho, último dia em que se mantém de pé a oferta da Telefónica. Em economia sou leigo, mas perceber como funciona a movimentação dos mercados é algo que merece o interesse e não ficar alheio.