EURO 2016 - CRÓNICA DE UMA VITÓRIA ANUNCIADA
Jogava Portugal e País de Gales. O país tinha parado para assistir à partida. O país estava em suspenso. Nem o respirar das pessoas se ouvia. Estava tudo recolhido nos cafés, restaurantes, em casa, nas praças com ecrã gigante. O sentimento era comum entre todos – fanáticos, simpatizantes ou simplesmente desligados. O orgulho nacional estava em causa – queríamos cantar de galo.
A primeira parte do jogo tinha perigos, mas estava a perder aquele entusiasmo e para não me irritar com as falhas liguei a telefonia; na rádio o relato é melhor – tem mais vida. A segunda parte começou morna para quem estava sedento de golos. Aproveitei o momento calmo e decidi ir à farmácia comprar os comprimidos que estava a precisar com urgência; mas para não perder nada do jogo levei o rádio do telemóvel com os auscultadores. Preparado saí de casa. Ainda à espera do elevador aconteceu o primeiro golo. Brutal. Espetáculo. A esperança começa a ser cada vez mais real. Viva. Volto para trás para ver na televisão o golo do Cristiano? Não já passou. Fogo, pela vivacidade do locutor da TSF isto foi mesmo brutal – é um golo, é sempre brutal. Volto para trás, não volto. O locutor canta o bailinho da Madeira com letra de sua autoria adequada ao momento. Não, prefiro ouvir a música e esta emoção que a ver a repetição do golo. Continuei a minha ida à farmácia.
Entro. Não há clientes. Os quatro funcionários estavam no balcão do canto a ver o jogo através da modernidade do PC. No momento em que me viram chegar desmobilizaram; uma foi talvez para o armazém; outra veio para o balcão onde estava; a senhora das limpezas fez a parte de limpar o balcão onde estava (já devia estar mais que limpo pensei, era a reação mais rápida para mostrar que estava a trabalhar); o senhor ficou no mesmo sitio a ver o jogo. Pedi a caixa de comprimidos e no vai e vem da senhora aconteceu o segundo golo. Quando a senhora chegou à caixa disse:
- Foi golo.
- Sim, estamos a ganhar – disse a senhora.
- Foi outro.
A senhora ficou com um ar estranho a olhar para mim - estaria a pensar que eu estava alucinado das ideias -, olhou desconfiada para o colega que tem os olhos pregados no monitor a dar indicações indiretas que eu estava a falar de outro golo. O senhor ficou com um olhar estranho para mim, a tentar perceber o que se estava a passar porque afinal o primeiro tinha sido há três minutos. A senhora das limpezas e a outra funcionária voltaram a correr para o monitor e com a cabeça lá enfiada estavam a abana-la porque não percebiam porque falava eu num golo e nada tinham visto. Duvidaram logo da tecnologia.
- O senhor está a ouvir no rádio e sabe primeiro – explicou o funcionário.
Paguei. Saí. Deixei os quatro novamente mergulhados no monitor a tentar ver o que iria acontecer. Certamente comemoram o golo tempos depois de uma maioria já o ter festejado.
Por muito que a tecnologia tenha evoluído, a rádio continua a ser a melhor forma de, mais cedo, saber o que acontece naquele campo onde estão todas as atenções.