"O problema não é sentir o mal, o problema é fingir que somos imunes a esse mal." Esta é uma frase de um excelente artigo de Henrique Raposo, no Semanário Expresso, de 3 de Abril de 2015. Tal artigo na sequência do terrível desastre de avião, em que Andreas Lubitz terá arrastado consigo para a morte 149 pessoas.
Há um diabo dentro de todos nós. No meio do horror a nossa mente pensa em muito mais que aquilo que falamos publicamente, mesmo com os que nos são mais próximos. Há pureza nas palavras, mas nunca saberemos se por de trás das mesmas a pureza do que pensamos e sentimos será a mesma. As palavras têm moralismo; o pensamento bruto não será assim tão moralista. Todos teremos opinião sobre o que se passou. Todos estamos prontos a condenar o que aconteceu porque nos sentimos nesse direito e porque vivemos emoções na flor da pele à medida que chegam dados novos sobre o que terá acontecido. Creio que o mal do Homem está aí: Condenar com rapidez as ações do outro. Perguntar-me-ão: Mas que razão teria este piloto para realizar tal atrocidade? Não é de condenar? Batemos palmas aos atos suicidas? É de condenar, é de revoltar, mas ao mesmo tempo sem a moralidade com que, por vezes, o fazemos porque em todos nós existe um lado selvagem, irracional, que não conseguiremos dominar no momento em que a cabeça está quente. Num momento de cabeça quente nem o ser mais sensato conseguirá ter a garantia de que se mantém sereno. Podemos condenar o mal, não podemos ignorar que todos nós o carregamos. Somos o que somos por sermos domesticados por leis e códigos. Nisso, não somos mais que o comum dos animais - domesticamos, não sabemos qual o dia e a hora em que este se virará contra nós. Há um botão que liga aquilo que está adormecido. Agora lembro-me do filme "A Vida de Pi".
Henrique Raposo no seu artigo, do Expresso, conta uma passagem de criança que demonstra bem o que rejubila em nós quando algo acontece, os berros de uns são a satisfação de outros - daqueles que procuram a imagem mais dramática, daqueles que vêm o mal do vizinho, daqueles que acompanham tudo para destilar todo o moralismo adormecido. Henrique tem razão ao dizer que o suposto vídeo que existe sobre o que aconteceu vai ter milhões de visualizações na internet porque temos o lado macabro de ver, procurar sentir nem que seja para depois chorar, sentir dor ou continuar a destilar a força moral que temos. Não é por acaso que os crentes pedem perdão pelas ações e pensamentos.
Em tempo de Páscoa chego a pensar nesse moralismo podre que temos, que anda ao sabor das massas, do que se partilha instantaneamente desde os primórdios da nossa existência - não culpem só as redes sociais. Cristo era ouvido, apreciado por todos, falava bem, fazia milagres, mas na hora da condenação esses que o admiravam condenaram-no, pediram a sua morte. Os próprios discípulos negaram e mudaram a sua opinião acerca de Cristo e na hora voltaram as costas. Foi crucificado. Qual o motivo para isso? Nenhum. A quente temos um moralismo falso, que segue atrás da opinião corrente e que faz de nós o pior dos seres do mundo.
Henrique Raposo, na sua visão mostra que devemos pensar nisto. Somos bons a julgar os outros e a usar palavras bonitas que nem sempre são coerentes com o nosso pensamento. Por isso admiro aqueles humoristas negros, pelo menos não têm pudor em partilhar o que lhes vai na alma. Cortam-nos com a sua opinião, mas no fundo todos rimos por dentro da piada e admiramos a sua coragem.
Não neguem a existência do mal e convivam com ele com princípios que não prejudiquem o próximo.