ESTAREMOS NÓS DEPENDENTES DA TECNOLOGIA COMO O JOÃOZINHO?
O João está no seu silêncio habitual. Sentado no banco de trás do carro dos seus pais mantem o seu olhar preso ao tablet que traz em mãos, a jogar um qualquer jogo que vem instalado no aparelho. Ele e os seus pais estão de regresso a casa depois de um fim-de-semana na casa dos avós.
- Falta muito para chegar? – perguntou ao pai, que vai a conduzir.
- Mais uma meia-hora e chegamos – responde o pai que seguia na sua maior das calmas a aproveitar o sol de final de domingo.
- Ainda falta meia-hora! Nunca mais chegamos; já disseste isso há pouco.
- Pois disse; nem passaram cinco minutos desde a última vez que me questionaste; qual é a pressa?
- Estou a ficar sem bateria para continuar o jogo; estou a precisar de fazer uma atualização e preciso de ligar ao wifi.
- Mais uma vez gastaste a internet toda que tinhas no cartão?
- Claro; na casa dos avós não há wifi e tive que ter a internet do cartão ligada;
- Desligavas o tablet e aproveitasses os poucos momentos com os teus avós.
- É uma seca na casa dos avós não ter net; não sei como conseguem; eu não conseguia.
- Não conseguias porque estás habituado às tecnologias desde pequeno e porque nós temos possibilidade de fazer as tuas vontades quando tiras boas notas na escola; no nosso tempo não havia nada disso; e no teu, mãe, havia? – questionou o pai para a esposa que ia ao lado a olhar para a paisagem.
- Já era bem bom quando, na tua idade conseguia ter aquela boneca que as minhas amigas também tinham ou quando conseguíamos aquele jogo de pintura se não desse erros nos ditados de português.
- Que seca; no vosso tempo não havia nada disto?
- Não – responderam os pais em conjunto.
- Quando os avós vos levavam a passear como passavam o tempo da viagem?
- Apreciava a paisagem como agora – disse a mãe.
- Ou então trazíamos os livros de banda desenhada ou os primeiros calhamaços com histórias mais sérias para ir lendo de tempos a tempos.
- Nem um jogo?
- Não – respondeu o pai.
- Já experimentaste olhar lá para fora para apreciar o sol dourado deste fim de tarde e ver como ele doura o rio e as casas lá em baixo? - Que é que isso interessa? Se calhar é por isso que nunca mais chegamos a casa; o pai vai tão devagar.
- Pois vou. Não é todos os dias que eu e a mãe e tu partilhamos um momento tão calmo; durante a semana andamos sempre nas pressas, agora queremos ter o nosso tempo fora de casa e aproveitar para apreciar a paisagem e o sol.
- Então apreciem; a mim isso não me diz nada.
- Tu que és tão moderno – enervou-se o pai – sabias que as pessoas aproveitam estes momentos, esta paisagem, para fotografar e para partilhar nas redes sociais?
- Isso não é para mim; já basta fazer likes nas fotografias que as miúdas da minha turma publicam; mas só faço os likes para elas não me chatearem a cabeça; falta muito para chegar?
- Falta – resmungou o pai -; se estás sem bateria paciência.
- Tu é que és o culpado porque não trouxeste o teu carregador de isqueiro; agora não posso continuar para avançar para o nível seguinte; ainda por cima tenho que enviar pedidos aos meus amigos do facebook porque preciso deles para subir mais níveis.
- Lamento, mas vais ter de esperar – disse o pai.
- Oh! – desesperou o miúdo.
- Vai fazer birra o menino vai? Vais ter de ter paciência – disse-lhe a mãe.
O João ficou “embufado” porque os pais estavam a dificultar a sua vida de dependência das tecnologias. Este rapaz é um dos que pertencem à geração Z, nascidos depois de 1997, que não conhecem outras realidades para além da virtual. A dependência de tecnologia parece ter ultrapassado estratos sociais e tornou-se transversal, apesar de alguns produtos serem proibitivos às bolsas dos pais; porém, existem alternativas no mercado mais baratas que fazem o efeito para o que as crianças necessitam.
A era digital está a transformar o mundo a cada instante e a sua evolução é extremamente rápida que nem dá tempo aos consumidores adaptarem-se a um produto – tablet, pc, smartphone – que logo existe um ainda melhor e que se torna no desejo de quase todos. Em 2012, cerca de 85% dos lares portugueses já tinham acesso à internet e a proliferação dos pacotes fixos dos diversos operadores, que antes eram móveis, provocou esta revolução digital, quando se pensava que o que era fixo tinha os seus dias contados. Os jovens são sem dúvida aqueles que estão a provocar esta revolução digital porque só conhecem o mundo desta forma e são eles que também criam o consumo nos seus pais, que tentam manter-se atualizados e que até são seduzidos pelos seus filhos a experimentar. Porém, existe o problema cada vez maior em controlar o que os miúdos fazem na rede, os riscos que isso pode trazer para a sua educação ou comportamento. É do consenso dos pais que não podem deixar os seus filhos muito tempo ligados às redes sociais, nos chats ou na internet porque sabem o vicio que isso provoca e os riscos consequentes; afinal a veracidade do que se lê na rede é muito questionável. Os operadores têm aplicações que ajudam os pais a controlar os filhos, seja no que estão a fazer na rede, seja com quem estão a comunicar por chamada e por telefone e até definir horas em que podem utilizar os seus smartphones, mas ainda assim todo o cuidado é pouco. Sem dúvida que a rede e esta versatilidade de equipamentos apetrechados com as mais diversas aplicações tem muito de bom para a sociedade e para o seu dia-a-dia; todavia a dependência faz esquecer de outros prazeres da vida, de outras coisas que as gerações anteriores valorizavam e que hoje são vistas como antiquadas.
O fascínio pelo VHS – quando se podia gravar aqueles filmes que davam tarde –, pela cassete – gravar música em cima de música e desencravar as fitas que saíam -, o vinil – que voltou a ser moda - e as disquetes – que comprava às dúzias – estão cada vez mais distantes das pens, das clouds, do mp3, do streaming, das boxs que gravam e que puxam atrás. Ainda me lembro de quando, já adulto, tive o meu primeiro telemóvel; comunicava com os amigos por toques para não pagar e da maravilha que foi quando surgiram os primeiros sms gratuitos. Agora temos os messengers do facebook, vibers, wattsapp, etc. Os jovens da geração do João são cada vez mais multitask, mas ao mesmo tempo não conseguem absorver com profundidade todo o conhecimento a que têm acesso – é tudo muito superficial; os assuntos deixaram-se de se estudar a fundo. Ler um título nas redes sociais de algo que aconteceu merece logo um like, uma série de comentários sem bases, sem que se tenha lido em detalhe o que aconteceu. Dá a sensação que quanto mais acesso se tem à informação, mais se deixa escapar.
Os jovens já preferem uma pesquisa no Google para fazer um trabalho em alternativa às velhas enciclopédias que nos obrigavam a copiar dezenas de páginas, que agora se faz com um copy paste e que permitem ter a mesma avaliação final, mesmo que não se tenha lido o que foi colado no trabalho. Até que ponto estarão preparados os professores para lidar com esta geração Z? Quando estes conseguem rapidamente mostrar que são mais ágeis na informática e que conseguem com uma aplicação nos markets resolver todas as questões e problemas que o professor manda para trabalho de casa. Mas, mais que os professores, como consegue os sistema educativo fazer frente a uma evolução que se está a impor sem que se esteja a adaptar às novas realidades dos alunos, do conhecimento e da própria forma de ensinar? Tudo isto merece uma boa discussão porque a tecnologia continuará a aumentar, melhorar e a estar cada vez mais acessível ao comum dos habitantes deste planeta como de pão para a boca.
Finalmente o João e os pais chegaram a casa. O João saiu com rapidez para chegar à porta do apartamento porque lá já apanhava wifi de sua casa para o “pauzinho” de bateria que ainda tem para gastar – nem se preocupou em trazer o saco com as suas coisas. O tablet estava em perigo de vida.