Por: Manuel de Sousa
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Amália, quis Deus que fosse o seu nome e o seu nome ficou imortalizado para sempre na memória do fado. Falar de fado implica falar de Amália, que trouxe a este uma profunda remodelação e deu-lhe a dimensão mundial - que nunca outro estilo de música portuguesa teve. A canção portuguesa, que traça o destino alegre ou triste deste povo, correu pela voz de Amália Rodrigues o mundo inteiro e encantou muita gente, muitos povos e muitos portugueses espalhados pelo mundo.
Volvidos 10 anos após o seu desaparecimento, o seu nome e a sua voz ainda se faz ouvir com grande intensidade, não apenas pelas pessoas da sua época, mas também pelas correntes jovens, que encontram na voz de Amália e do fado a sua própria forma de expressão e de cultura. Ainda hoje se cantam os seus fados; ainda hoje grupos e diferentes formas musicais transformam o música e a voz de Amália, não deixando que se perca ou que fique limitada, mas que se adapte, se transforme e se revalorize como ícone da cultura portuguesa, cada vez mais transcendente.
Apesar da sua partida, a saudade da despedida atenua-se com o doce tom melodioso da voz que fica nas gravações e nas imagens e que se imortaliza com o som das palmas que por todo o mundo se bateram em homenagem à grande diva. Com Amália imortalizaram-se poetas, escritores e compositores que deram um contributo à construção da cultura portuguesa. Imortalizaram-se nomes como Luis de Camões, Ary dos Santos, Pedro Homem de Mello, David Mourão Ferreira, Alexandre O'Neill, José Régio, Aberto Janes, entre muitos outros homenageados pela sua música.
A dimensão de Amália Rodrigues não se traduz apenas pela doçura da sua voz, mas também pela intensidade com que vive cada uma das músicas que interpreta e que representam não só a sua forma de ser e de estar, mas que mostram a realidade do povo português. É por isso, que muitos se revêem nas suas frases, nas suas músicas. Intensidade no sentimento e nas vivências, polémica nas suas letras e manifestação -muitas vezes conotada ao regime ditatorial de Salazar, mas na realidade uma pessoa que sempre manifestou em favor da liberdade do seu povo, aquele que trazia no peito. O «Fado de Peniche» e o «Povo que Lavas No Rio» são alguns dos fados que mostram a dimensão política e revolucionária no tempo da ditadura e da clandestinidade e que chegaram a ser proibidos pela censura.
Mulher de grandes viagens, conheceu o mundo inteiro, pisou os grandes pallcos do mundo - Olympia, Philarmonic Hall, o Palais des Beaux Arts ou o Lincoln Center, nos EUA - e cantou para várias estações de televisão do mundo. Porém, nunca negou as humildes raízes de um bairro de Lisboa.
Nascida a 23 de Julho de 1920, na Pena, em Lisboa, Amália da Piedade Rodrigues viveu grande parte da sua infância com os seus avós. Após o tempo de escola dizem que foi bordadeira e que também embrulhava bolos. Porém, foi mais conhecida como vendedeira de fruta, no Cais da Rocha. Em 1936 integra a marcha de Alcântara, nas festas de S. António de Lisboa e concorre num concurso da época que se chamava «Concurso da Primavera» para o título de Rainha do Fado, que na realidade se tornou. Passou pelo cinema, no filme «Capas Negras», pelo teatro de revista, no Teatro Maria Vitória.
Amália Rodrigues foi homenageada em Portugal e no mundo inteiro. Recebeu as mais elevadas condecorações - o Grau Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, das mãos do Presidente da Republica de então, Mário Soares; a Ordem Nacional da Legião de Honra por Francois Mitterrand e mais tarde é homenagiada na Cinemateca Francesa. Os aplausos surgiram por todos os locais por onde passou - Rio de Janeiro, Tóquio, Roma, Unão Sovietica, Londres, Nova York, Paris, Madrid, entre muitos outros, sobretudo onde existiam comunidades portuguesas.
Nos últimos tempos, a sua voz apresentava algumas debilidades e dificuldades em tentar expressar-se com a mesma força e vigor de outros tempos, mas a emoção do público atingia o seu auge com a sua presença e o seu sentido de vivência, mesmo que da sua boca apenas saíssem murmúrios ou gemidos.
Parte aos 79 anos de idade, a 6 de Outubro de 1999, altura em que se viveram 3 dias de luto nacional pela perda da grande voz. Centenas de pessoas assistem ao seu funeral e acompanham-na até ao Cemitério dos Prazeres e, mais tarde, em homenagem nacional, acompanham-na até ao Panteão Nacional, onde jaz juntamente com outros nomes da História de Portugal.
O adeus a Amália pelo humilde povo português, enquanto o seu corpo circulava pelas ruas de Lisboa, num cortejo fúnebre, ficará sempre na memória como expressão de luto e saudade, que este humilde povo sente pela voz que os representava e que representou Portugal.
Amália Rodrigues, a rapariga que vendia laranjas no mercado, foi, é e será a Diva a e Rainha do Fado. Esta é a mulher que revitalizou o fado e que permitiu de certa forma, que outros grandes nomes surgissem e que também farão a sua história e terão o seu contributo para a riqueza e variedade da cultura portuguesa.
«Quando eu morrer vão inventar muitas histórias sobre mim, se inventaram sobre a severa e não se sabe se ela existiu, e de mim sabem concerteza que eu existi.» Amália Rodrigues.