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BLOGUE DO MANEL

A vida tem muito para contar e partilhar com os demais. Esta é a minha rede social para partilhar histórias, momentos e pensamentos, a horas ou fora de horas, com e sem pés nem cabeça. Blogue de Manuel Pereira de Sousa

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IRÃO: A REVOLUÇÃO QUE NÃO CONSEGUIU SOBREVIVER A AHMADINEJAD

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

Por: Manuel de Sousa


manuelsous@vodafone.pt 


 


Nos momentos quentes das revoluções no Médio Oriente, como Egipto, Tunisia e Libia, recupero um artigo da minha autoria publicado no Blogue Ponto de Vista, no JN, sobre a revolução Iraniana de 2009.

29/06 As manifestações continuam em Teerão e teimam em não abrandar, apesar das forças policiais estarem a utilizar a força como meio de coagir sobre os manifestantes. As eleições foram realizadas a dia 12 de Junho e a situação continua sem um fim previsível à vista. Segundo dados da Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem foram detidas mais de duas mil pessoas, enquanto que centenas de outras estão dadas como desaparecidas.


A ordem e a força são para avançar e a ilegalidade decretada para qualquer das manifestações não tem impedido os protestos, basta ver pelos três mil manifestantes na manifestação deste domingo, a norte de Teerão.


A situação caótica tem também provocado algumas divisões na ala religiosa. Se por um lado o Ayatollah Ahmad Khatami pede a execução dos dirigentes subversivos, por outro, o Ayatollah Mousavi Ardebili defende que não é possível pacificar os protestos com a força.


Esta divergência de opinião é a prova de que a visão dos acontecimentos transmitida pelos jornalistas estrangeiros não está assim tão longe da realidade como querem fazer passar ou *** como dizem os apoiantes do presidente eleito Ahmadinejad. As imagens das manifestações são prova disso mesmo e contra elas não há forma de desmentir, já para não falar na repressão que está a ser feita para controlar e impedir que qualquer informação ou notícia seja passada para o exterior.


Ainda que as potências mundiais tomem posições que mais lhe convém no momento e a pensar nas relações económicas e políticas futuras, independentemente da revolta do povo (o povo é apenas um motivo), tal não justifica que o mundo não mostre a sua revolta e desagrado, mesmo que este não deva interferir sobre a política interna do país e apenas possa actuar em forma de opinião e de acompanhamento dos acontecimentos.


Mas, a visão ocidental será assim tão deturpada da realidade e tão ***? Poderá ser de facto à luz dos dirigentes iranianos porque os conceitos de democracia e manifestação são diferentes do ocidente para o oriente. Porém, o ocidente não pode ter uma visão assim tão ***, quando a Amnistia Internacional menciona a tortura de reformistas para confessar que actuavam sob ordem da comunidade internacional contra o regime.


A visão de todos os países ocidentais será a mesma de países com a Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido, aqueles para quem os resultados não são favoráveis?


 


 


Iran " Invincible" photostream..(RIP NEDA)


22/06  A situação no Irão começa a tomar proporções ainda mais preocupantes com o desenrolar da situação e da forte instabilidade política que se está a registar, apesar do Ayatollah Khamenei ter afirmado novamente, nas orações de Sexta-feira, que Ahmadinejad é o candidato vencedor das recentes eleições. Com esta tomada de posição não existirá qualquer recontagem parcial do votos, muito menos a anulação do acto eleitoral, dado que, segundo este, não ocorreu qualquer irregularidade e que não há irregularidade que justifique a realização de novas eleições presidenciais. Quanto às 646 queixas de irregularidades apresentadas e que careciam de uma análise, simplesmente devem ter sido esquecidas pelo Conselho dos Guardiões, que não parecem demonstrar uma total independência perante a situação.


O mesmo Ayatollah Khamenei, condenou as manifestações como incentivo à violência e à desordem, considerando que qualquer acto de manifestação contra os resultados eleitorais é ilegal e deve ser repreendido. Independentemente da comunidade internacional e das muitas pessoas que pelo mundo fora acompanham o desenrolar dos acontecimentos, considerarem como duvidosa toda esta questão das eleições e da legitima vitória de Ahmadinejad, é condenável a acção por parte do poder em tentar silenciar as vozes da oposição, com o argumento de que é necessário colocar a ordem na população. Estas atitudes mostram com evidencia o conservadorismo e repressão que o poder se encontra a fazer junto da população e a tentativa de que todas estas acções permaneçam no silêncio, sem que a comunidade internacional tenha acesso ou interfira na situação. Os jornalistas estão a ser pressionados, tendo o correspondente da BBC sido expulso e o correspondente da Newsweek preso sem que existam razões que justifiquem estes actos.


O Ministro da Cultura Iraniano ameaça que serão tomadas outras medidas se a comunicação social estrangeira continuar a interferir nos assuntos internos e se continuar a transmitir informações que sejam enganosas. Como se o pouco que podemos ver através de imagens e relatos dos nossos jornalistas fosse algo duvidoso ou mesmo enganoso e uma criação, de forma a manipular a opinião pública mundial.


Poderiam os jornalistas não terem o direito de interferir ou de transmitir o que se passa em Teerão e que os acontecimentos são meramente internos e aos outros países não lhes diz respeito. Porém, existem muitos iranianos espalhados pelo mundo inteiro, que têm a legitimidade de acompanhar o que está a acontecer no seu país e também é dever da comunidade internacional estar a par dos acontecimentos, dado este ser um país com quem existem acordos com outros países em matéria económica. É necessário que todos saibam que país é este, que governo está no poder e com que legitimidade pode o Irão celebrar ou manter qualquer acordo ou parceria.


O número de vítimas dos protestos torna-se preocupante, inicialmente eram sete vitimas resultantes dos protesto de Segunda-feira passada, nos protestos de Sábado, em Teerão, foram mortas treze pessoas e mais de uma centena foram feridas. Pelo mundo, através do Youtube e do twitter, circulam as imagens de Neda, uma mulher que foi atingida no peito enquanto se manifestava contra o regime. As imagens são reais e são as provas da dura repressão exercida pelas forças de segurança em nome do regime instalado, que não convive com as necessidades de liberdade do povo iraniano. Teme-se que o número de vitimas seja superior ao que é conhecido oficialmente e que as retaliações comecem a intensificar-se na medida em que o controlo da informação começa a ser cada vez mais apertado.


Não sabemos quando isto irá terminar.


 



 


19/06  A situação no Irão ainda continua a ser caótica com as ondas de protestos que não cessam a cada dia que passa. As manifestações continuam a ser alimentadas pelas forças opositoras ao regime instalado, como forma de fazer pressão para que o Conselho dos Guardiões anulem os resultados e convoquem novas eleições, em vez uma contagem parcial dos votos.


Os apoiantes de Mir Hossein Mussavi não aceitam de qualquer forma o recente apuramento dos resultados e no dia de ontem saíram para a rua vestidos de luto, com velas, em homenagem aos sete manifestantes mortos na passada Segunda-feira. Os protestos apesar de serem pacíficos ou com essa intenção foram proibidos e considerados ilegais pelo Ministério do Interior.


As notícias também têm sido muito escassas devido ao aperto da informação e à limitação da acção por parte dos jornalistas, que são impedidos de transmitirem imagens das manifestações. Conta-se que hajam constantes cortes da Internet, das comunicações por satélite e mesmo da rede de telemóvel.


Existem muitos boatos lançados sobre o que se está a passar em Teerão, como prisões a ser efectuadas a manifestantes oposicionistas. Porém, não existem quaisquer provas até ao momento de que tal possa estar a acontecer.


O Conselho dos Guardiões propôs a possibilidade de se reabrirem a conversações com três dos principais candidatos que foram derrotados, para chegar a uma solução que termine com a crise instalada. Terão também de analisar 646 queixas de irregularidades registadas durante as eleições e avaliar o peso das mesmas para validarem ou não a possibilidade de um novo acto eleitoral ou apenas a recontagem parcial dos votos.


As manifestações poderão continuar durante os próximos dias e a possibilidade de estes serenarem vai depender da decisão tomada pelo Conselho dos Guardiões, de quem depende o futuro político do país.


Apesar de ser uma eleição interna, estas têm provocado alguma preocupação um pouco por todo o mundo, dada a influência e projecção que este país pode ter numa economia Global.


 


 


 



 


Se pensamos que o Irão está bem longe da nossa realidade e bem longe geograficamente a ponto das recentes eleições nada interferirem com a nossa diplomacia ou com a diplomacia da Europa, estamos enganados. Vivemos num mundo Globalizado em que as eleições de cada país interferem com o futuro de outros. Por terem muita importância internacional a vários níveis nos chegam constantes notícias da campanha, das eleições e agora do período pós-eleitoral, muito conturbado e que têm causado alguma preocupação um pouco por todo o mundo.


Se pensarmos que o Irão é pouco desenvolvido e que as suas eleições foram como sempre foram, também estamos enganados. Estas eleições passaram do limiar do normal e do considerado tradicional e saltaram de forma inesperada para as novas tecnologias da Internet através do Youtube ou de redes sociais como o Twitter ou o Facebook. Foi assim durante a campanha e é assim que continua a ser neste tempo pós-eleitoral, onde a informação jornalística começa a ser escassa com a saída dos jornalistas devido à não renovação dos vistos de permanência e com a impossibilidade dos jornalistas locais de poderem sair para reportagem. São as redes sociais a forma de travar e contrariar o aperto ao controlo de informação. Apesar de tudo, a informação continua a espalhar-se a um ritmo imparável, mesmo com a quebra de rede móvel em Teerão. Basta ver a quantidade de manifestantes de ambas as partes.


As eleições Iranianas tiveram em tudo diferente do normal, talvez porque o povo tenha acordado para através das vantagens democráticas manifestarem-se contra o regime de Ahmadinejad. Conta-se que estamos perante uma das maiores, senão a maior, manifestação nas ruas do Irão desde a Revolução Islâmica de 1979.


Este ano até sondagens, nunca permitidas, foram efectuadas pela Universidade de Azad que consultou a população e apurou um resultado favorável ao candidato Moussavi na ordem dos 56% e de 42%para Ahmadinejad. Estamos perante um país com 45 milhões de eleitores, sendo que nestas eleições votaram 40 milhões, confirmando-se um dos actos mais participativos alguma vez realizados, num país em que 33% dos eleitores são pertencentes a zonas rurais, 34% a pequenas cidades e os restantes 33% a grandes cidades.


Os confrontos a que temos assistido nos últimos dias são resultado da contagem em Teerão, que deu vitória a Mousavi com 60% dos votos contra os 40% de Ahmadinejad, que são o oposto dos resultados gerais do país que consagram o actual presidente como derradeiro vencedor.


Corrupção? Não sabemos a que se devem estes resultados. As manifestações quer em Teerão, quer um pouco por todo o mundo, como por exemplo em Lisboa, dos apoiantes de Mousavi exigem do Conselho dos Guardiões umas novas eleições com fiscalização mais reforçada. No entanto, fica a duvida da possibilidade, vantagem e transparência de novas eleições depois de tantas manifestações e da confusão instalada e se estas não iriam conduzir a uma indefinição política no Irão.


Alterar os resultados das eleições a uma escala de 40 milhões de votantes é muito complicado e implica uma grande organização, muito bem coordenada capaz de o fazer sem o reparo do Conselho dos Guardiões, ainda que não seja impossível. Este Conselho optou por efectuar a recontagem parcial dos votos como forma de acalmar as hostes de ambas as partes e o curso dos acontecimentos, assim como, retirar todas as dúvidas de uma contagem muito rápida dos votos que ditaram uma esmagadora vitória de Ahmadinejad e aclamada sem esperar pelos três dias normais para o anúncio dos resultados.


Todos estes acontecimentos têm uma grande influencia sobre o mundo porque o mundo conhece o grande potencial do Irão e  sua capacidade de influência, em especial sobre as grandes potências asiáticas como a China, Japão, Coreia, Malásia e Rússia com quem existem negociações e trocas comerciais. A Europa e os EUA não podem ficar indiferentes a estas transformações e à margem de negociações com um país de grande potencial económico. O Irão detém alta tecnologia, é o quinto maior produtor mundial de petróleo e de  gás, que são bens essenciais para uma Europa com dependência energéticas e para as grandes potências que necessitam dela para produzir e aumentar as exportações.


Por outro lado, existem outras causas muito preocupantes e que já fizeram tremer os EUA e países do Médio Oriente com determinados anúncios de Ahmadinejad. O Irão tem uma grande capacidade de produção de Energia Nuclear, que tanto pode ser utilizada para fins pacíficos como para a produção de armas de destruição maciça, a verdadeira dor de cabeça que tem preocupado os EUA e o vizinho Israel, que poderia ser aniquilado a qualquer momento (ainda que se julgue pouco provável), não fosse Ahmadinejad defensor que negou a existência do Holocausto e a legitimidade do povo Judeu.


Por estas razões, Mousavi é muito desejado e apesar das incertezas quanto ao futuro, caso fosse o vencedor. Este defendeu posições mais abertas e menos conservadoras como a emancipação da mulher e abolição de todas as leis que a descriminam, a abertura do povo à comunicação e informação. Manifestou também intenção de diálogo com os EUA e critico em relação ao assassínio de Judeus no Holocausto.


No meio deste fogo cruzado entre apoiantes, opositores e manifestações que sobem de tom e que já provocaram oito mortos, o futuro do Irão está em aberto e as expectativas são muitas. O Irão não será mais o mesmo. Fica na dúvida se estas eleições têm a mão de Deus como afirmou o aiatola Ali Khamenei ou a mão de Satã.
 


Manuel de Sousa


manuelsous@vodafone.pt


 


HAVEMOS DE IR A VIANA

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

Cantava Amália: «Oh meu amor de algum dia, havemos de ir a Viana/ Se o meu coração não me engana/ Havemos de ir a Viana».


Não direi meu amor, mas vim a Viana de qualquer das formas.


Parti de Braga manhã cedo, no receio de cá vir, mas encorajado de querer mudar de ares, parti em direcção de Viana do Castelo, de forma descomprometida, mas decidida.


Neste momento, estou a meio da manhã e já percorri algumas ruas da cidade, desde os arredores até ao centro, mais concretamente até à Praça da República.



Na Praça da Republica sento-me na Caravela para tomar a primeira bica do dia porque determinei que todo o meu dia seria em Viana, desde a primeira bica até ao pôr-do-sol. Vamos ver como correm as coisas e se na realidade apenas sairei quando o sol se pôr. Se assim for ainda bem, significa que as minhas expectativas se confirmaram e que valeu vir até ao coração do Alto-Minho.


Esta vinda a Viana do Castelo tem como objectivo a necessidade de um ar bem diferente daquele que se respira todos os dias, na cidade do costume e a crescente necessidade de conhecer novas pessoas e novas vistas, ainda que não tinha saído desse Minho. Será bem diferente do Minho em que vivo o meu dia-a-dia. Aqui está uma das qualidades do Minho, caracteriza-se pela sua diversidade de paisagens, dos vários verdes que o caracterizam e das pessoas que nele vivem e que são tão diferentes de lugar para lugar.


Não sei se por estar numa cidade diferente, aqui noto uma gente muito verdadeira, no sentido de verdadeiro e típico Minhoto. Gente que parece muito simpática e acolhedora, muito simples na sua maneira de ser, de vestir e de olhar. Isto notou-se logo que cheguei à cidade. Entrei num sitio completamente desconhecido, sem mapas e numa pequena aventura automóvel e em vários cruzamentos existia a amabilidade de logo me deixarem passar. Logo que chegava senti-me simpatizado com as pessoas e de uma forma muito natural acabei por esboçar alguns acenos de agradecimento.


A Praça da Republica fez recuar no tempo histórico, tal a beleza das suas fachadas, da fonte, de toda a pequena e pacata praça, como se ainda vivêssemos no tempo em que não existiam carros e como se o tempo por estes lados tivesse parado, não fossem as lojas e as marcas do nosso tempo.


Os becos e ruelas são o mais popular de cada cidade e o que muito aprecio. Também por aqui existem e com nomes bem curiosos. O Beco da Onça e a Praça da Erva (símbolo da cannabis desenhado na placa). Jamais me importarei que me mandem para a Onça, ou outra expressão do género depreciativo, de tão encantado que fiquei com este lugar.


Tomada a bica e escritas as primeira palavras são horas de passear mais um pouco para aproveitar o sol lá fora, que começou a despertar depois de uma amanhecer tão tímido e enevoado.


 


Durante toda a manhã percorri ruas, ruelas, cheias de gente ou mesmo pacatas, tudo isto sem sair do centro da cidade. Muita coisa se pode visitar e apreciar. Muita beleza e encanto se encontra por estas ruas com uma imensidão histórica fantástica e uma arquitectura fabulosa. Vale bem o cansaço de tantos quilómetros percorrer de um lado para o outro na descoberta de algo de novo.



Eram cerca de três horas da tarde e já me encontrava no interior da Sé de Viana. Preparava-me para sair quando olho para trás e reparo na existência de uma pequenina capela. Passou despercebida tal a escuridão no seu interior. No momento em que entro na referida capela fico diante de um enorme Cristo crucificado e nesse momento batem as badaladas das três horas da tarde, como que a assinalar a hora em que este homem morreu pregado numa cruz. Momento simbólico aquele, digno de uma contemplação e ao mesmo tempo de compaixão. Atendi a razão da escuridão. Ali é necessário recolhimento a que o silêncio convida. Estes momentos são mágicos e ao mesmo tempo tão ternos.


Toda a restante Sé é uma mescla de estilos e épocas, desde o Gótico, Barroco, Maneirismo, a algo extremamente moderno, como o altar de celebração e os bancos, que não combinem com toda a restante estética.


 


A sensação de chegar a Santa Luzia é um misto de ansiedade e ao mesmo tempo de comoção porque sempre manifestei o desejo de conhecer um lugar com uma obra tão majestosa e imponente e por estar num local onde é possível contemplar terra e mar.


Contemplar esse horizonte e sentir que o meu olhar se perde na sua imensidão, ao mesmo tempo que no mesmo olhar cabe todo este horizonte.


Fico com a sensação de que os meus olhos necessitavam desta vista, deste horizonte. Espero ter a oportunidade de voltar mais vezes e de cada uma delas sentir esta sensação.


Há expectativas que sentimos que não serão desconcertantes. Esta é uma delas. Tinha a ideia de que iria gostar e pelo pouco que ainda vi gostei imenso.


 


Onde estou?    
Não sei.                                                                                                                                                     


O que sinto agora?                                                                                                                                    
Não se explica.


Estou sentado no interior da Basílica de S.ta Luzia. É tão boa esta sensação. É tão grande esta paz de espírito que se sente cá dentro. Quando entrei estava aberta o livro com a passagem de S. Mateus, em que Cristo no barco de pescadores acalmou a tempestade e as ondas do mar. Aqui a sua presença é tão viva, tão real e tão forte. Aqui as ondas estão serenas. Aqui tudo é calmo e silencioso. É por isso que sinto esse Cristo cá dentro, coisa que não sei explicar por que sinto aquilo que não vejo e não toco.


O templo é pequeno na sua dimensão física, mas muito grande na sua dimensão espiritual. A beleza artística do Homem torna este local único e representativo, para os crentes, da infinita beleza que Deus sobre nós e sobre a Terra.


Existe um misto de abertura e de isolamento. Abertura do espírito e da fé, isolamento de tudo o que é exterior ao Homem e de tudo o que o rodeia.


A fé acaba por se manifestar de uma forma simples e singela e é nestes locais que o nosso estado contemplativo ultrapassa o limiar do físico e natural para o sobrenatural.


Há muita coisa que não se sabe explicar em palavras, mas apenas sentir e recordar no interior com o máximo prazer.


 


É tempo de pensar na partida, de volta para o quotidiano de onde saí. As nuvens cobrem o céu, de forma que hoje não poderei ver o pôr-do-sol, embora esteja na hora de este se começar a recolher, depois de me ter proporcionado um belo dia.


Virado de costas para o horizonte e voltado para o templo, faço a última despedida de uma cidade bonita e encantadora. Foi bom conhece-la só. Da próxima espero que com uma boa companhia, para que seja uma visita conversada em contraste com esta que foi sobretudo pensada e interior.


Caminhar só à descoberta foi fantástico e valeu apena tudo o que descobri, vi e vivi. Foi uma mescla de sensações que a minha pessoa gostou.


Neste momento, no meu pensamento ecoa o fado de Amália em jeito de despedida.


Manuel de Sousa


manuelsous@vodafone.pt


IRENA SENDLER: A MÃE QUE SALVOU 2.500 CRIANÇAS DO EXTERMÍNIO

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

Esta é a imagem de uma das mulheres mais corajosas da História da Humanidade.


O seu rosto pequeno, demonstra uma ternura infinita e um sentido de maternidade tão forte, que inflama muitos corações de homens e mulheres que se espalham por esse mundo fora e que a ela agradecessem pelo facto de existirem.


Esta é para sempre a mãe de muitos porque a muitos lhes deu a vida, de forma escondida e clandestina.


Mulher, Assistente Social, Anjo do Gueto de Varsóvia, Heroína, Mãe. São tantos os adjectivos que poderíamos utilizar para classificar este ser humano, que sempre se apresentou perante o mundo de uma forma humilde, carinhosa, no anonimato, mas ao mesmo tempo conhecida pelo mundo inteiro.


Nem eu conhecia esta mulher, até algum tempo atrás receber um e-mail de um amigo que suscitou o interesse e que provocou a minha comoção. Comoção pela história de vida, de sacrifício e de total entrega para com o seu próximo.


Irena Sendler nasceu a 15 de Fevereiro de 1910, na Polónia. A sua vida ganha especial relevo na altura da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha invade a Polónia, por volta de 1939. Nessa altura, Irena era Enfermeira do Departamento de Bem-Estar Social de Varsóvia, onde cuidava de pessoas necessitadas, doentes, fossem elas Judias ou Católicas. Para além de comida, também dava a essa gente roupa e medicamentos.


Após a invasão da Polónia e por volta de 1942, os Nazis criaram o Gueto de Varsóvia, como forma de isolar a comunidade Judia de Varsóvia e impedir a sua movimentação, sendo depois transportados para campos de extermínio nazi. Nessa altura, o trabalho de Irena começa a ser cada vez mais dificultado no apoio à população Judia, de forma a colmatar as suas dificuldades, e também começa a ser um trabalho muito perigoso.


No Verão de 1942 Irena integra o movimento de resistência Zegota, que era um organismo de ajuda aos Judeus. Conseguiu identificações do gabinete sanitário para si e para as suas colegas, com a tarefa de lutar contra as doenças contagiosas. Como polaca teve a possibilidade de se juntar aos Judeus porque os Alemães tinham medo de uma epidemia de Tifo e entregaram aos Polacos a possibilidade de tratar dos Judeus, evitando o contacto directo com estes.


Dizem que, como forma de união com essas pessoas, utilizava as braçadeiras que os Judeus eram obrigados a utilizar para serem identificados das restantes pessoas. Com grande facilidade esteve em contacto com famílias a quem continuamente prestava ajuda. Na sua aproximação a essas famílias pedia-lhes que lhes entregasse os seus filhos com o objectivo de os tirar do Gueto e, de alguma forma, dar a esperança de pelo menos estes sobreviverem ao extermínio nazi. Os pais das crianças nem sempre aceitavam a proposta de Irena, dado o sofrimento da separação em momentos tão difíceis. Muitos dos pais que ofereceram a resistência e que eram procurados posteriormente por Irena ou pelas suas companheiras, já tinham sido levados para os campos de concentração. Irena não tinha respostas, certezas quando as mães entregavam os seus filhos e questionavam «Podes prometer-me que o meu filho viverá?» Quem lhe dera poder responder, mas fazia o que podia.


Havia a esperança que essas crianças ainda poderiam sobreviver, não sobreviveriam se ali ficassem. Se ficassem eram com certeza levadas, sem piedade, para a morte. Essa esperança no coração de Irena e com ajuda de colegas permitiu que num ano e meio, até ao fecho do Gueto, fossem salvas 2.500 crianças. Começavam a sair em ambulâncias com a indicação de vítimas de Tifo e também em sacos, cestos do lixo, caixões e tudo mais que pudesse camuflar uma criança para a fuga.


Durante este tempo e a cada fuga elaborava documentos falsos, com assinaturas falsas para que essas crianças pudessem manter-se vivas. Mas, a sua preocupação é que elas não poderiam perder a sua verdadeira identidade, as suas origens. O seu desejo é que um dia recuperassem tudo novamente. Para tal, criou um arquivo pessoal onde registava a entidade verdadeira de cada um e identidade nova, de forma a ser possível restituir mais tarde, em tempos de paz.


O arquivo pessoal era guardado em latas de conserva, que enterrava no quintal do seu vizinho, junto a uma macieira, sem que ninguém suspeitasse. Irena durante muito tempo escondeu a história e origem de 2.500 crianças. Um dos segredos mais bem guardados, em latas de conserva.


A 20 de Outubro de 1943, Irena é presa pela Gestapo (polícia secreta do Estado), que descobriram o que andava a fazer. Esteve na prisão de Pawiak, onde foi torturada a ponto de lhe partirem os ossos dos pés e das pernas. As torturas eram feitas para que revelasse o nome de outras pessoas que colaboravam consigo e dissesse onde se encontravam as crianças. Porém, esta mulher manteve o segredo de forma inviolável. Foi condenada à morte. No caminho para a execução um soldado leva-a a um novo interrogatório e à saída apenas lhe disse «Corra». A sua saída foi resultado do suborno aos alemães feito pelos membros da organização onde esta trabalhava.


Apesar de todo o seu sofrimento na prisão e de ter sido condenada á morte (o seu nome figurou na lista dos executados), voltou ao seu trabalho sob identidade falsa, com um nome código de Jolanta.


Dizia esta mulher que a sua luta pela paz, se deve a uma imagem de Jesus que encontrou num colchão de palha no tempo em que esteve presa. Essa imagem, deu-lhe força e coragem para continuar a sua luta pelo salvamento destas crianças. Entregou-a em 1979 ao Papa João Paulo II.


Acabada a guerra, Jolanta desenterra a latas com as identidades de cada uma das crianças. Procurou-as, pelos orfanatos, conventos, famílias Católicas de acolhimento e devolveu-lhes a história e as origens. A maioria dos seus parentes foram exterminados, outros espalharam-se pela Europa a quem ela conseguiu encontrar e entregar os filhos.


Anos mais tarde a sua história e fotografias da época foram publicadas num periódico e aqueles que eram crianças na altura reconheceram a fotografia. Era Jolanta, a verdadeira Irena. Muitas cartas, telefonemas e visitas passaram a fazer parte do quotidiano desta mulher. Todos os que a reconheceram procuraram-na para lhe agradecer a vida por quem ela decidiu lutar.


Em 1965 foi condecorada como cidadã honorária de Israel. Em Novembro de 2003 foi condecorada com a Ordem da Águia Branca.


Irena Sendler foi candidata a prémio Nobel da Paz, que nesse ano seria entregue a Al Gore.


Durante muitos anos permaneceu numa cadeira de rodas devido às torturas que sofreu durante a prisão. Mas sempre acompanhada por imensa gente que a procurou. Apesar de tudo, esta mulher dizia sofrer até ao final da vida porque «Poderia ter feito mais, e este lamento continuará comigo até ao dia em que eu morrer».


Morreu a 12 de Maio de 2008, aos 98 anos de vida.


Para muitos de nós, não teria que ficar com esse lamento, de poder salvar mais crianças. Salvar 2.500 foi um acto de grande heroísmo e de amor para com os outros. Esta é uma história de uma mulher que para além de salvar tantas crianças, teve a preocupação de manter as suas origens, como símbolo de respeito pela cultura e pela diferença que cada um representa.


Existirão muitos heróis na história da humanidade e que permanecerão no anonimato ou serão do conhecimento de poucos porque estes apenas se preocuparam no que era realmente importante, salvar vidas.


São estas histórias reais que devem constituir como exemplo de vida e de coragem pela defesa de valores.


Irena Sendler é de facto uma grande mãe, com um coração do tamanho da Humanidade.


Vale a pena ficar com uma última frase sua, que resume a sua luta durante a vida:


«A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade.» - Irena Sendler


Manuel de Sousa


manuelsous@vodafone.pt


JOSÉ SARAMAGO: BÍBLIA, O MANUAL DE MAUS COSTUMES?

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

 



Um «manual de maus costumes», este é o comentário que resume a opinião do escritor José Saramago em relação à Bíblia, não percebendo como é que um livro «cheio de horrores, incestos, traições, carnificinas» se tornou num guia espiritual para religiões como a Católica e mesmo o Judaísmo. Considera também que «sem a Bíblia, seriamos pessoas diferentes».


Todos estes comentários foram feitos durante a apresentação do seu novo livro «Caim», em Penafiel, a 18 de Outubro. Sem dúvida que o seu livro já deu muito que falar e ainda não se encontrava à venda nas bancas. Faltará saber se com toda a polémica instalada as vendas poderão corresponder às expectativas criadas em torno deste título.


Com estes comentários torna-se ainda mais evidente a personalidade de José Saramago, que sempre foi bastante polémica e muitas vezes criticado pela sociedade portuguesa. Criticado pela sua forma de ser, pelas palavras que dirige e que muitas vezes chocam as pessoas, ainda que em muitas situações tenha a sua razão. É claro que os recentes comentários acerca da Bíblia como «manual de maus costumes» feriram muitos católicos. Feriram tanto mais quanto maior o conservadorismo religioso existente no nosso país. Apesar de vivermos num país de livre opinião e de livre opção de ideologia religiosa, ainda é tabu que se tenham estas opiniões públicas e será sempre com grande polémica cada uma das reacções, que apesar de tudo não foram tão duras quanto as afirmações do escritor. Por até não serem tão duras, custa também a crer que José Saramago fique admirado com a reacção da Igreja Católica, tal a noção de lucidez que o autor tenta transparecer nos seus livros, na sua escrita ou nas suas palavras. É claro direito da Igreja defender-se das críticas tanto ou mais frivolamente quanto maiores forem essas críticas lançadas pelo escritor José Saramago.


Como em muitas outras ocasiões, as polémicas vão sendo esquecidas, após viverem o momento da sua glória na altura em que são criadas e lançadas. As organizações religiosas dificilmente ruem por mais abanões que aqui e acolá se vão fazendo em relação aos seus dogmas. Poderão existir outras coisas piores e mais graves que apenas críticas ou livros.


José Saramago diz que não escreve contra Deus porque como ateu não acredita na sua existência. Ele escreve contra as religiões porque estas não aproximam as pessoas como apregoam. Não escreve contra Deus, mas no fundo parece que este lhe é uma preocupação e por intermédio das religiões seja um alvo a abater. Todos os crentes, sejam Católicos, Judeus, Muçulmanos, Hindus ou qualquer outra profissão de fé, têm o livre direito de criticar as estruturas religiosas que defendem, que guiadas por homens têm os seus erros e as suas virtudes e que sob os seus erros devem mudar para estarem tão próximas quanto possível das doutrinas que professam.


As críticas do escritor e prémio Nobel não deixam de ser de todo pertinentes e não deixam de merecer alguma atenção por muito polémicas que sejam ou por algum exagero no seu fundamento. Há sempre algum fundamento de verdade que merece a nossa atenção para a discussão.


A Bíblia em si não é um manual de maus costumes e resumi-la a isso será um erro tão crasso como resumir que a obra de José Saramago não representa qualquer valor para a literatura portuguesa e que o seu prémio Nobel não tem significado algum para a mediocridade dos seus livros. A Bíblia é um livro que combina a componente histórica com a componente religiosa e mística. Negar os horrores lá retratados é negar o mundo e uma história que existiu, que nem sempre foi a melhor, a mais séria e nem sempre constituiu o melhor exemplo para as civilizações que se seguiram. Caso apenas retratasse as maravilhas de um povo ou da Humanidade da altura, não faria sentido também a vinda de um Messias que restaurasse a ordem, que trouxesse novos princípios e novas visões de pensamento a seguir.


Numa conferência sobre ciência e religião, realizada em Braga, por volta de 2007, com o Cientista Alexandre Quintanilha e o Professor, Teólogo e Padre Anselmo Borges, este último dizia que «a Bíblia não foi ditada por Deus e que deve ser lida de uma forma crítica. Se seguida à risca quantos sobreviveriam à face da Terra?». Este é o sentido crítico que lhe devemos dar, portanto, não significa que esse sentido crítico deva esvaziar todo o seu sentido ideológico e que pode muito contribuir para um mundo melhor. É importante discutir um livro como guia espiritual, até porque a espiritualidade deve ser questionada.


José Saramago diz-nos que «sem a Bíblia seriamos pessoas diferentes. Provavelmente melhores». É uma opinião que não podemos de facto confirmar à partida. Poderíamos viver também muito piores. Como livro que deve ser interpretado de forma crítica, é natural que muitos os façam de uma forma errada e, por isso, se tornem em más pessoas e tornem o mundo pior. Mas também existem muitas «pessoas melhores» que são seguidoras desse livro de maus costumes. Como qualquer obra escrita, pode ter a interpretação que lhe quisermos dar mediante convicções, opiniões e conveniências do momento. Da mesma forma que o livro «Caim» possa ser interpretado de várias formas possíveis. Espero ter a oportunidade de ler esta obra e que esta represente uma boa base de discussão, assim como, corresponda às expectativas da polémica lançada pelo seu autor.


As declarações de Saramago também tiveram o intuito de uma certa promoção da sua obra. Se assim não fosse poucos saberiam que o «Caim» estava nas bancas. As suas declarações são tanto ou mais polémicas quanto maior for a sua intenção em tocar no intimo e nas crenças de cada um. Ficaria eu surpreendido se em vez de críticas à Bíblia, José Saramago encontrasse nela um exemplo a seguir. Se assim fosse, os seus princípios ateus há muito que teriam caído e Saramago não pretende deixar cair esses princípios, que no fundo o incomodam como incomodam qualquer um.


Felizmente que vivemos num país com liberdade de expressão, em que não se tomam posições extremistas como em outros países, basta recordar das polémicas em torno das caricaturas do profeta Maomé. Criticas existirão sempre, mas como já disse, o debate também é saudável para se quebrarem tabus que ainda existam ou até para se cimentarem ideias. Apesar de ter a noção de polémica gerada e de estar preparado para tal, Saramago deve ter ficado surpreendido pela contestação proveniente não apenas da hierarquia da Igreja, mas também de muitos quadrantes da população que se diz não lerem a Bíblia. Neste mundo da informação é bom que se ouçam opiniões a favor e contra.


José Saramago não deixa de ser um grande escritor, apesar das suas posições radicais e crescentes em relação à religião. Muitas das suas posições são compreensíveis e inquestionáveis, contudo, outras mostram algum azedume forte e por vezes infundamentado, onde deveria ter a noção de determinados limites para a liberdade e respeito do outro. Não será com extremismos que se conseguem mudar as coisas ou chamar as pessoas à razão dos factos. Será sim, com o uso do poder da razão e do equilíbrio. Se Saramago é defensor da Teoria da Relatividade, sabe que não é detentor de verdades absolutas como, por vezes, parece transparecer.
 


Manuel de Sousa


manuelsous@vodafone.pt


QUANDO O TRABALHO MATA - 25 Suicídios na France Telecom, desperta-nos para uma nova realidade.

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11


Por: Manuel de Sousa




A lógica de gestão das empresas passou a ser o aumento do lucro com imposição de aumento da produtividade dos seus trabalhadores, a baixa de salários e a quebra de direitos e garantias, assim como, a redução de custos nas mais diversas áreas, mesmo que essas reduções impliquem a diminuição das condições laborais.




Os trabalhadores em muitas empresas passaram a ser meros bobos voltados para o trabalho e o aumento da produção, mesmo que esteja acima dos limites pessoais. A qualidade de produção deixou de ser o lema de chefias, a quantidade passou a velha máxima que todos são obrigados a aceitar para se manterem no mercado de trabalho.




Se o princípio da nossa existência era «Penso, logo existo», actualmente será «Produzo, logo existo». Caso assim não seja, profissionalmente e até socialmente poderemos ser considerados como inúteis na vida activa. Deixaram quase de existir princípios humanos que foram sendo substituídos por valores e padrões económicos cada vez mais exigentes e agressivos, para os quais o ser humano teve de se moldar com a mesma rapidez que a mudança de filosofia das empresas.




As consequências sociais provocadas por esta lógica do sistema capitalista, que teima em subsistir na sua crise e caos, são profundas e preocupantes para a qualidade de vida e para a existência do ser humano, consequências que poderão provocar colapso dessas mesmas empresas e a condução ao seu fracasso. Quanto mais estas entram nesse colapso, mais exigências são feitas e maior é a pressão causada, como se isso provocasse algum resultado positivo para a solidez e sobrevivência dessa empresa.




As realidades provocadas por estes princípios de gestão empresarial não têm passado despercebidas aos olhos dos empreendedores e dos trabalhadores. Os exemplos que nos chegam de França, onde se registaram 25 suicídios e 14 tentativas num período inferior a dois anos, numa única empresa, a France Telecom, está a fazer o mundo acordar para uma realidade que não é nova, mas que durante muito tempo viveu escondida e abafada e, se calhar, ignorada pelas empresas causadoras dessa mesma realidade. Porém, ainda existem poucos estudos sobre esta realidade, contudo, acredito que se os mesmos forem feitos seremos sobressaltados para uma verdade bem agreste e que obrigará a uma tomada de posição de todos nós.




Estima-se que haja, em França, um suicídio por dia relacionado a questões laborais. Em Portugal não é possível obter quaisquer dados que permitam obter a razão dos suicídios relacionados com o mundo laboral. Sabe-se, no entanto, que o número de baixas médicas registadas em Setembro subiu na ordem dos 60% comparando com o mesmo mês de 2008. Estará esta subida relacionada com problemas laborais? Seria muito importante que se debruçasse sobre a matéria para termos a noção de como vive a nossa população activa nos seus empregos. Caso contrário, poderemos ignorar uma realidade que poderá ser bem dura e dramática.




Apesar de convivermos com muitas situações de desmazelo e falta de profissionalismo de muitos trabalhadores de empresas públicas e privadas, que não representam correctos exemplos a seguir, tal não deve ser motivo para que se generalize aos restantes trabalhadores que actuam de uma forma activa e empenhada nas suas tarefas. Caso isso aconteça, é cair no maior erro e apoiar uma falsa questão, tantas vezes levantada por governos e patronatos com o objectivo de avançar com as suas políticas reformistas. Políticas que, por vezes, se afastam da realidade de um trabalhador, que tenta sobreviver com um salário baixo, com horários laborais impensáveis e com obrigatoriedade de atingir objectivos de produção acima do possível.




A crise económica numa era de Globalização criou agonia na gestão de uma empresa. A crise gerada num sector produtivo, num lado do planeta, mexe com o trajecto de uma empresa do outro lado do globo. Deixamos de trabalhar numa economia caseira, regional e nacional e passamos a uma lógica global. Se a globalização teve princípios positivos no desenvolvimento da economia e na sua progressão, também teve princípios e consequências negativas com o aumento do capitalismo selvagem e desregulamentando e com grandes penalidades para o trabalhador. A lógica passou a ser a diminuição de custos de produção e consequente diminuição de salários e condições laborais. Caso este cenário não se verifique, as empresas lançam-se nos despedimentos e mudam-se para locais de mão-de-obra barata, por vezes mais qualificada e com leis laborais indefinidas que atraem o investimento. Contra isto, será necessário que exista alguma uniformização de princípios e de lógicas comerciais entre governos e parceiros sociais, adequando-se às realidades de cada Estado.




A lógica capitalista é muito cega nas atitudes que toma porque têm a visão do lucro fácil e imediato e não o sucesso a longo prazo de uma empresa ou de uma marca. Caso fosse o sucesso e a afirmação a longo prazo, teria a visão que tal só é viável com a criação de postos de trabalho remunerados de forma correcta, de condições de trabalho dignas para cada um dos trabalhadores e de uma correcta gestão, com princípios, dos recursos humanos.




As situações extremas de stress laboral não conduzem apenas ao suicídio, pensar apenas nesta consequência é limitar o nosso estudo e a realidade. Temos de pensar nos casos de depressão, alcoolismo e desestruturação familiar e social. Estes problemas causam prejuízo para as empresas que passam a ter um mau colaborador, descontente, sem iniciativa, sem capacidade de produzir os mínimos. Com tudo isto, aumentam os acidentes laborais, os erros, entre outros prejuízos inerentes. Esta problemática tem também consequências para o Estado que em lugar de um trabalhador activo, passa a ter um trabalhador dependente de ajudas e subsídios.




Este é nada mais que um problema social, que exige respostas urgentes e conscientes para uma realidade dura e muito próxima de cada um de nós.




O princípio de uma lógica de lucro fácil para a sustentabilidade empresarial é um princípio de erro tão elementar que conduz a um resultado complexo e de consequências sociais e económicas alarmantes. As empresas devem reger-se por princípios de qualidade. Não podemos ter trabalhadores, equipas e empresas produtivas com funcionários tristes, desmotivados, com problemas psicológicos, familiares, com problemas de saúde gerados pelo stress laboral como insónias, depressões e irritabilidade.




O princípio da cooperação entre funcionários e entidades patronais é o melhor segredo para o sucesso. Existem empresas que se preocupam em agir desta forma e os resultados estão à vista. Neste aspecto é necessário trabalho eficiente e cooperativo de entidades sindicais e governos.




O exemplo Francês é apenas um em muitos outros exemplos por esse mundo fora. Se neste país desenvolvido já se assiste a uma realidade brutal como esta, como será em outros países numa situação pior, de necessidade de desenvolvimento ou em países que são economias emergentes?




Este artigo não se trata de uma lição aos empresários ou de um tratado de gestão. Este artigo é uma visão que se pode ter do mundo e da forma preocupante como ele evolui. Não podemos evoluir para um mundo melhor se caminhamos para o caos social causado por um capitalismo selvagem.




manuelsous@vodafone.pt



ENTREVISTA AO PROVEDOR DO «PÚBLICO», JOAQUIM VIEIRA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SIGILO PROFISSIONAL E FIGURAS DE ESTADO

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

Por: Manuel de Sousa

O conceito de liberdade de expressão será sempre um conceito muito relativo de avaliar, ao qual terá de existir sempre uma necessidade de ponderação exigente por parte dos  intervenientes como jornalistas e órgãos de comunicação social e os visados das notícias. Será sempre complicado avaliar a importância de um acontecimento para ser considerado notícia, assim como, determinados comentários não passam de um pau de dois gumes, que tanto podem ser declarações de defesa como podem ser entendidos como ameaça à liberdade de expressão.

O conceito de liberdade de expressão com a comunicação social foi questionado, por diversas vezes, no anterior mandato de José Sócrates, tendo este provocado alguma má imagem, devido ao teor das acusações e devido também às críticas e reacções manifestadas, quando as mesmas deveriam revelar mais prudência e contenção.
As reacções de José Sócrates às várias situações com que se cruzou não provocaram estragos de maior neste curto espaço de tempo eleitoral, mas não teremos real percepção dos efeitos que possam causar num futuro mais longínquo com o desfecho de casos como o Freeport, em que o seu nome este implicado desde o inicio.

Apesar deste caso estar resolvido do lado inglês, com o arquivamento do processo por falta de provas, por aqui, este ainda poderá ter novos desenvolvimentos, devido também aos processos judiciais que envolvem o nome de José Sócrates e de vários jornalistas. Processos esses, provenientes de queixas do primeiro-ministro contra notícias que colocaram em causa o seu bom nome.

Neste ponto de processos judiciais entre os jornalistas e os «afectados» pelas notícias coloca em questão o velho problema, para alguns, do sigilo profissional como a protecção das fontes, mesmo que perante um juiz. Muitos consideram importante o levantamento do sigilo, outros contestam (ainda bem) porque estamos a pôr em causa a vida pessoal e profissional de terceiros, ainda que possa parecer importante para a constituição de prova perante um juiz. O levantamento do sigilo profissional condena o futuro do jornalismo e o futuro da investigação jornalística porque as fontes jamais pretenderão estar de alguma forma expostas.
É claro que qualquer cidadão anónimo ou figura pública tem direito de apresentar uma queixa como forma de manter a sua segurança e legitimidade. O restante trabalho dependerá sempre do juiz que terá o papel de avaliar cada um dos casos.

Uma figura pública terá de ter a noção que qualquer dos seus passos é controlado pela comunicação social. Está obviamente mais exposta que qualquer outro cidadão e qualquer dos seus passos que levante suspeita será do interesse geral, sobretudo se estivermos perante um assunto público. Caso assim seja, isso é um assunto público e tem todo o interesse de se tornar numa notícia.
Sabemos muito bem que qualquer investigação que afecte um terceiro, que afecte um poder ou um grupo de peso considerável, pode representar uma asfixia a um órgão de comunicação social. Asfixia pelos custos de investigação, asfixia pelos elevados custos judiciais e asfixia pela limitação do acesso à publicidade e limitação de venda ou limitações às receitas que garantem a sustentabilidade e viabilidade económica das empresas de comunicação.

Segue a publicação de uma entrevista que tive a oportunidade de realizar ao Provedor do Jornal «Público», Joaquim Vieira, que nos apresenta uma visão consciente das interrogações que envolvem a liberdade de expressão e as relação desta com personalidades públicas, tendo como ponto de partida o caso Freeport, apenas um dos casos que visaram o primeiro-ministro.


Ponto de Vista - A actuação de José Sócrates, em relação ao caso Freeport, com processos judiciais sobre alguns profissionais da comunicação social, tem sido uma atitude correcta ou considera precipitada, quando o processo judicial em torno do caso ainda teve poucos desenvolvimentos?

Joaquim Vieira
- Acho que é uma atitude para ganhar dividendos políticos a curto prazo, permitindo-lhe dizer que reagiu aos artigos que o punham em causa, mas que o vai prejudicar num prazo mais alargado, pois acho não existir, à luz da jurisprudência, qualquer hipótese de José Sócrates vir a ganhar esses processos.

PV
- Será legitimo que se processem estes profissionais, tendo em conta que poderemos estar a provocar um caos judicial em torno do mesmo assunto, que passa a ser tratado de forma diferenciada prejudicando o apuramento da verdade? Poderemos estar a julgar erradamente os profissionais de forma mais rápida que o esclarecimento do caso Freeport?

JV
- Processar pessoas por alegado abuso da liberdade de imprensa (ou da mera liberdade de expressão) é um direito que assiste a qualquer cidadão. À justiça caberá julgar da pertinência dessas queixas.

PV
- Partindo da ideia de que as notícias tornadas publicas sejam fruto de uma investigação séria e credível por parte dos profissionais de comunicação, é legitimo que as fontes possam ser divulgadas em Tribunal, como prova de assegurar a verdade dos factos e sustentar a verdade dessas noticias?

JV -
Em nenhuma circunstância é legítimo que o jornalista divulgue as fontes às quais garantiu confidencialidade.

PV -
Em situações como estas, o sigilo profissional poderá ser considerado como uma segurança do jornalista perante um tribunal , de forma a ter a sua defesa garantida e a impossibilidade de julgamento? Estará nesta situação, um jornalista em vantagem sobre o queixoso por difamação?

JV -
A prova da verdade dos factos não é essencial para a justiça avaliar o teor das queixas apresentadas por abuso da liberdade de imprensa. É sim, do ponto de vista do jornalista e do órgão de informação, a prova do interesse público da notícia e de que se agiu de boa-fé.

PV
- Existe um limite definido que estabeleça até que ponto vai a liberdade de imprensa na publicação de notícias que coloquem em causa o bom nome e legitimidade de uma pessoa?

JV
- Considerando-se que há interesse público nessa informação (tratando-se os visados, por exemplo, de figuras públicas, sujeitas a um escrutínio jornalístico maior do que as pessoas anónimas), a notícia deve ser publicada.

PV
- Estarão as empresas, direcções e grupos económicos de determinado meio de comunicação dispostos a avançar com uma investigação jornalística, tendo em conta as consequências futuras que podem surgir? No panorama geral, estarão os meios de comunicação social dispostos a avançar com as investigações e a tornar públicos factos que podem por em causa uma personalidade de Estado?

JV -
Nem sempre. Os receios são muitos por várias razões: custos da investigação, custos com a justiça, receio de desagradar aos poderes visados pela investigação, recio de asfixia económica como retaliação de quem o pode fazer.

PV
- Considera que a actuação de José Sócrates está a limitar a liberdade de expressão e de informação?

JV -
Não. Pode constituir um constrangimento, mas é dever dos que fazem informação não se deixarem intimidar por este tipo de atitudes.

TRADADO DE LISBOA: QUE EUROPA E QUE FUTURO?

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11


O dia de hoje, 1 de Dezembro de 2009, é um dia marcante para a Europa, o dia em que o Tratado de Lisboa entrou em vigor, dando inicio a uma nova fase da Europa, que segundo dizem, mais preparada para o século XXI.

Chega ao fim um período de grande discussão de um tratado que teve a sua polémica e que sempre suscitou inúmeras dúvidas quanto às suas vantagens para o futuro da União Europeia e dos seus estados-membros. Questionou-se a capacidade de independência de decisão que cada país poderá ter nos parlamentos nacionais, quando estes estarão dependentes das decisões da UE, sendo obrigados a promulga-las sem possibilidade de rejeição.

Questiona-se também se este novo tratado será capaz de acabar com as divisões internas entre os diversos Estados, assim como, equilibrar os poderes e o peso que cada país poderá representar na tomada de decisões. Caminhamos durante muito tempo numa Europa de duas velocidades, constituídas por países de grande poder e por países que apenas puderam viver atrelados às decisões de outros. Será que este tratado poderá resolver todas essas divergências?

Será que este tratado contribuirá para a resolução de muitos problemas de cada país, independentemente de submeter os Estados a meros indicadores e obrigar que cada um a atingir os mesmo objectivos económicos e sociais, quando estamos perante uma Europa com diversas realidades ou continuarão os países a trabalhar para as estatísticas, de forma a corresponder a médias Europeias, ainda que essas estatísticas sejam meros números e as duras realidades continuem a existir?

As políticas económicas durante muitos anos estiveram longe de ser as verdadeiras políticas de desenvolvimento sustentado, numa Europa que distribui dinheiro, sem saber se este está a ser bem aplicado nas áreas de necessidade. Este tratado será mais ágil na investigação e no apuramento das correctas normas de mercado, sem estrangular esses mercados às normas da própria União? Quanto poderia Portugal investir na vinha e a UE não deixou por não ser um produto de bem-comum Europeu? Quantos produtos foram deitados fora por uma Europa que determina a produção por cotas e que subsidia a não-produção?

A aprovação deste tratado, à revelia da decisão de muitos povos da Europa, representará um futuro de prosperidade da UE e estará ao alcance de cada estado-membro para ser posto em prática?

Este tratado Europeu será capaz de tornar a UE mais leve e mais ágil, em vez de uma máquina que não funciona e que apresenta muitos bloqueios na tomada de decisões e acções? Estarão a partir de hoje as instituições mais próximas e mais capazes de agir?




São muitas as interrogações que ficam e que só o futuro poderá responder, sabendo que existem muitos pontos que seriam necessários corrigir, num tratado que apresenta defeitos e deixa muitas dúvidas em relação ao futuro da construção da UE e da independência de cada estado e de cada Governo na tomada de decisões. Não podemos viver de dependência Europeia, temos de ser autónomos e cooperativos.

Ao cidadão comum, muitas dúvidas ficam por explicar no concreto, ainda que este tratado não interfere com a vida de cada um directamente, mas que nem por isso deve e pode ficar alheio às tomadas de posições que de hoje em diante poderão contribuir para o seu futuro como cidadão nacional e europeu.

Manuel de Sousa
manuelsous@vodafone.pt



CAIM: DEUS É UM LOUCO NO SEU ACTO DE CRIAÇÃO?

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11


Por: Manuel de Sousa




PARTE I




Deus é um louco. Se não é então atingiu-lhe um estado de loucura tal, que lhe tirou por completo a noção da realidade dos acontecimentos do mundo. A sua obra de criação parece mais que uma experimentação do Homem e a cada vez que lhe foge aos seus desígnios tem de ser castigado e exterminado da face da terra, assim como, todas as coisas ou seres fruto desse Homem errante. Deus não está contente com a obra da criação e então cria remendos atrás de remendos na mesma História como forma de tentar fazer algo perfeito que não consegue. Mas se não consegue, estamos perante um Deus e nada consegue? Estaremos perante um Deus frustrado que não se contentado com nada tudo destrói para regozijo próprio? Existirá um Deus que de princípios entenderá muito pouco até menos que um simples mortal como nós somos?




Muitas questões poderemos levantar sobre Deus e as suas acções após a leitura de «Caim», da autoria de José Saramago. Esta é sem dúvida uma hilariante história que nos conduz de forma rápida e directa através do tempo, em avanços e recuos ao longo da História do Antigo Testamento. Uma grande história com muitas histórias pelo meio que procuram provocar as consciências crentes e quiçá acorda-las para uma verdade dura que há muito deveriam ter acordado com questões deveras pertinentes, que merecem a sua discussão e atenção.




Já tive a oportunidade de comentar as afirmações do autor numa das suas polémicas declarações sobre Deus, o Deus da Bíblia, como forma de críticar a religião pela sua pregação. Mas, uma coisa será a crítica a meras declarações, que poderiam ser meramente publicitárias, outra será tecer uma opinião e uma apreciação crítica depois de conhecida a obra e de uma leitura integral, não muito difícil pela rapidez com que se faz, embora careça de algumas paragens para reflexão sobre o que vai sendo lido.




A acreditar piamente no que foi sendo escrito pelo autor, sem outra análise crítica cuidada, tudo nos levaria à brilhante conclusão que Deus é um louco e que nos gosta de testar a cada passo e que até gosta de fazer umas apostas com Satã; quiçá para quebrar uma certa rotina que se vai vivendo no Paraíso, quando a obra da criação está feita na totalidade e carece apenas de uma manutenção mecânica, para que tudo funcione na perfeição. Porém, nem tudo é assim tão linear, quanto a isso merece uma reflexão cuidada a cada um dos episódios. Estamos perante uma obra de ficção, baseada em factos descritos na Bíblia, mas contados à maneira mais conveniente do autor e com pormenores que o mesmo inventa para dirigir a história no sentido que deseja. Escapam pormenores que por vezes podem alterar o sentido de cada uma das passagens. No entanto, quanto a isso torna-se interessante e acutilante para uma boa reflexão e discussão de ideias, dogmas e princípios.
Procura mexer com convicções ao questionar a razão dos factos e ao tentar fazer raciocínios conclusivos como forma de vincar as suas posições. Se bem que a própria pontuação utilizada pelo autor pode fazer a sua diferença e suscitar ainda mais o interesse, mais interrogação e mais discussão.




Sabemos bem, e para quem já leu a Bíblia ou parte dela, esta é fruto de um conjunto de livros, da recolha e da pesquisa entre muitos autores, que sob a inspiração divina escreveram histórias, lendas, mitos, reflexões, visões, projecções e história científica. Muitas delas foram passando de geração em geração durante séculos até serem escritas pela primeira vez. Existem episódios belos e bélicos, relatos verídicos e outros que jamais aconteceram, histórias proféticas que só a fé pode explicar ou validar. Por muitas investigações históricas que possam ser efectuadas muitos acontecimentos puderam ser provados e confirmados, assim como, outros ficarão ao critério de cada um.




O primeiro episódio do livro começa com o jardim do Éden em que Deus terá lá colocado uma árvore com um fruto proibido, que muitas vezes terá sido interpretado como o pecado do sexo. Deus terá proibido que comecem daquele fruto e ficou terrivelmente zangado com a desobediência do homem e da mulher. Quem lá mandou colocar essa árvore? - Questiona o autor. No mundo foi criada muita coisa boa e muita coisa má, na sua maioria por invenção do Homem. A colocação de uma árvore será mais uma figuração de que Deus deixou que tudo ficasse ao nosso critério e que nos deixou livres de optar pelo bem ou pelo mal porque se assim não fosse estaria a negar-se a si próprio. O pecado do fruto proibido é nada mais nada menos que a desobediência às regras estabelecidas.
O conceito de liberdade é por isso muito relativo e sabemos o quanto é relativo para o Homem pronto a infringir regras.




Caim, ao longo do livro culpará sempre Deus por este nunca ter aceitado as suas oferendas e ter aceitado apenas as do seu irmão Abel. Deus disse que o estava a pôr à prova e, por essa razão, Caim matou Abel, afinal Abel estava sempre a gozar com o irmão. Caim questiona porque é que Deus o pôs à prova sendo Ele o Criador. Não saberá Deus o que criou? Será um criador inconsequente? Talvez Caim não tenha entendido que Deus deu a liberdade ao Homem e a Caim para fazerem o que quiser. Esta liberdade não entende Caim, da mesma forma que sente o direito da mesma liberdade. Disse que Deus poderia evitar a morte de Abel, quando se contradiz que Deus não tem o direito de contrariar a sua liberdade de acção.
Com estas sucessivas contradições fica a questão para todos nós: Deus deverá deixar o Homem livre sobre a Terra, mesmo que essa liberdade permita que se cometam actos tão terríveis?
Se não nos deixa livres, esse Deus nega-se a si mesmo. Esta questão faz-me lembrar a frontalidade de Bento XVI num campo de concentração em Auschwitz, na Polónia, quando questionou «Onde estava Deus?» que permitiu que actos tão bárbaros se cometessem. A questão de liberdade de acção, ainda que contra o acto de criação, deixa muito em aberto à nossa liberdade de pensar.
Quantos dos actos bárbaros são cometidos como se Deus fosse o culpado dos mesmos e como forma de justificação das próprias acções e na impossibilidade da morte de Deus matam aqueles que por questões de fé nele acreditam.




No episódio de Abraão que sobe ao alto do monte com o seu filho Isaac que carrega um monte de lenha é nada mais que um episódio de provação. Não se sabe se tal terá acontecido realmente. Mas quer este servir como teste a Abraão e saber se este teria alguma coragem de sacrificar o seu filho à morte em nome de Deus. Nas escrituras este episódio é descrito de forma diferente porque quando Abraão se preparava para o sacrifício do filho, o Senhor deteve-o para que não fosse derramado sangue inocente e que a prova já estava mais que dada. No livro de José Saramago, Isaac só não morreu porque Caim o impediu, dado que o anjo do Senhor teve uma avaria mecânica numa das asas quando vinha ao encontro de Abraão para que este não matasse o seu filho. Esta parte entre o descrito na Bíblia e o inventado pelo autor teve nada mais, nada menos como intenção de provocar discussão entre as personagens e deixar uma vez mais a ideia de um Deus que pede um sacrifício como quem pede um copo de água. Um Deus mau que Caim conseguiu conter.
Este episódio representa para Abraão, o pai das três grandes religiões monoteístas. Representa o como linguagem simbólica a confiança que Deus depositou neste Homem. Não estamos perante um anjo que chegou atrasado e que teve uma avaria numa asa.
Mais uma vez a questão de um Deus louco? Cruel? Do ponto de vista de José Saramago sim, do ponto de vista de um crente não. Afinal o inocente não foi sacrificado como José Saramago tenta dizer que sim, só foi evitado por Caim.




PARTE II




A Torre da Babilónia construída com o intuito de chegar ao Céu e que terá sido destruída por Deus que não gostou dela, nada mais será que uma possível figuração de que nem sempre Deus gostará de algumas grandezas do Homem, quando são feitas como forma de se comparar na grandeza. Não é uma questão de proibição de grandes construções, caso contrário actualmente não existiriam as grandes construções, com dimensões anteriormente impensáveis. Grandezas cheias de defeitos e sem quaisquer conteúdos tornam-se balofas, condenáveis e de curta duração. Grandezas sem valores e sem princípios. Sabemos quanto existem destas grandezas e que quanto mais se constroem maior é a destruição.
O episódio de Sodoma e Gomorra é apenas uma explicação que na altura não existia para determinados fenómenos naturais, naquele caso de origem vulcânica. É claro que não existindo explicação para os factos, os mesmos seriam associados a males dos quais padeciam as populações e encarados como uma vingança e uma revolta de Deus. Um episódio que revela um exagero da ira divina, quando na altura o Senhor era entendido como algo mais temível, mas nem por isso como injusto, se bem que, o justo e o injusto possa ser entendido de uma forma relativa aos olhos de cada um.
A mulher de Lot morreu transformada em estátua de sal porque olhou para trás, enquanto fugia da cidade e da destruição que estava a ocorrer. O Senhor tinha dito para que ao fugir não olhasse para trás. A reflexão posta por Saramago é interessante porque não entende a razão desta mulher ter sido castigada quando todos temos a curiosidade de olharmos para o que acontece nas nossas costas. Queria Deus punir a curiosidade do Homem? Esta passagem e questão de Saramago leva-me a pensar nas inúmeras situações da vida a curiosidade é de tal forma mortal quando se é aconselhado a seguir em frente. É traiçoeira e muitas vezes má conselheira e por isso, podemos entender às situações práticas e situações sentimentais. Estamos perante mais um episódio figurado e que terá muito a dizer sobre as tendências do Homem. Não foi Deus que castigou a mulher de Lot porque a deixou fugir, foi ela que se condenou a si própria quando perdeu o seu tempo a olhar para trás. Todos somos livres das nossas acções, Temos é que ter a noção das consequências boas e más que daí podem surgir.




O episódio da ida de Moisés ao monte Sinai e a sua descida em que se depara com um bezerro de ouro porque o povo já não acreditava no Senhor e tiveram a necessidade de criar um novo Deus para adorarem e obter atenção, revela de facto um episódio de grande violência ainda frequente nos dias de hoje. Moisés ordena a morte, faz derramar sangue entre milhares de pessoas. A Bíblia é tão real quanto isto. Existem episódios de sangue porque foi com sangue que grande parte da História da Humanidade foi construída. Não seria justo negar essa História, esse sangue e que tudo caísse no esquecimento. Em nome de Deus muitos morreram porque acreditavam noutros deuses. Guerras entre religiões e fés foi a razão da morte e sacrifícios de muitos. Por Deus se louvou e se matou. Toda esta loucura e desespero do Homem criou a falsa ideia de que Deus é um louco.




   PARTE III




O encesto de Lot, embebedado pelas suas filhas, que engravidaram de seu pai porque estas pretendiam deixar descendência da família, é para José Saramago um pecado. Como pode Deus permitir tal pecado? O encesto aqui descrito e explicado é mais um episódio que não pode ser entendido de forma literal. Pelos estudos efectuados, as personagens deste episódio não serão propriamente pessoas, mas povos. Cada uma das personagem representava um povo que na suposta necessidade de linhagem ou por outras razões se cruzou geneticamente.




A loucura de Deus continuou ao longo de toda a história bíblica e Caim caminhou pelo caminho dos errantes por toda essa história e nela apenas presenciou a desgraças, mortes e injustiças contra pessoas inocentes. Imagine-se quanto se deve ter cansado este homem ao longo de toda a história de tanta desgraça e de não ver em Deus uma única boa acção e uma única atitude correcta. No meio de tudo isto parecia ser o maior inocente, afinal apenas matara seu irmão, comparado com todas as restantes desgraças. Veja-se a matança na invasão de Jericó e as pragas sobre ela rogadas. Matança ordenada por Josué, homem devoto de Deus e que por Ele se sentiu iluminado. Quantos infamemente praticaram a maldade em nome de Deus? É por isso que Deus é um louco, extremamente louco se em todos os actos atendermos apenas à inocência humana.




As lamentações de Job por toda a desgraça que sofreu, por ter perdido os bois, os jumentos, roubados pelos assaltantes; ovelhas e escravos queimados por um raio; os caldeus roubaram os camelos e mataram os criados; os filhos levados por um furacão; são no entender do autor fruto de uma aposta entre Satã e Deus, em que Deus apostava que Job se manteria fiel a Si por maiores que fossem as desgraças. Todas as desgraças fruto do diabo que arranjou poderes fantásticos para a grande desgraça. Tudo isto terá ocorrido numa Assembleia no Céu onde participava Deus, o diabo e os anjos.
É claro que muitos dos pormenores desta passagem não se encontra escrita na Bíblia, mas representam a capacidade criativa do autor. Segundo a Bíblia, Job terá de facto sofrido muitas provações não se sabe vindas de onde. Porém, pela sua persistência Deus terá premiado este homem retribuindo-lhe tudo o que tinha perdido ou mais ainda.
O significado deste episódio é nada mais que uma forma de demonstrar que Deus nos pode restituir em muito se a nossa fé for sólida e inabalável. Que nos poderá retribuir em dobro. É claro que para essa ajuda não será necessário provocar e viver em tanta desgraça, se bem que uma desgraça nunca vem só. Muitas vezes somo nós que atribuímos desgraça a tudo o que acontece. Mas aqui é a prova que a dedicação e a força, a coragem nos permite recuperar muito do que se perde e que Deus estará disposto a dar o seu contributo positivo. Não estamos perante uma qualquer Assembleia nos Céus e muito menos de uma aposta de Satã com Deus.




O livro termina que a passagem da Arca de Noé. Noé lá construiu a grande barca em terra, quando os barcos se construem junto à água (reparo do autor) para guardar um exemplar um exemplo masculino e feminino de cada espécie, para que sob o mundo caísse um dilúvio e quando terminado dilúvio uma nova Era teria início e antes que grande parte da Humanidade se perdesse para sempre, era tempo de construir uma nova. Mas, Caim interfere na jogada de Deus e mata cada um dos habitantes da Arca para vingança contra Deus, que ficaria num beco sem saída para dar inicio a uma nova Era. Não haveria Humanidade e quando o Senhor apareceu Caim obrigou Deus a colocar-se sobre a própria face de destruidor e assassino. Assim ficaram até aos dias de hoje na eterna discussão dos acontecimentos que se foram sucedendo ao longo da História da Bíblia.




É claro que muitos dos episódios tiveram a parte da transcrição literal da Bíblia e a criação de José Saramago para se tornarem mais acutilantes e muitos deles interpretados de uma forma errada. Porém, há um fundo de verdade nas suas palavras porque muitas guerras e muitas mortes existiram em nome de Deus erradamente. Talvez ainda hoje muita coisa má aconteça em nome de Deus.
Nota-se que durante a história do livro «Caim» não existam muitos episódios, sem dúvida memoráveis e que se destacam pela positiva na Bíblia. José Saramago reduziu a Bíblia a algo minúsculo, insignificante e aterrador. Embora, se tudo tivesse corrido tão bem, certamente que não ser justificaria a vinda de um Messias para repor a ordem no pensamento, nas acções e nas leis de então, que se encontravam entendidas de forma errada.




  




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A MARCA DE CAIM

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11

Por: Manuel de Sousa



O livro «Caim», de José Saramago pode ter provocado uma certa polémica em Portugal pela série de questões que o seu autor levantou perante a Bíblia. Porém, as polémicas, interrogações, teorias em torno de certas personagens bíblicas têm existido por todo o mundo, desde sempre, sobretudo quando são situações nem sempre esclarecidas e que deixam as suas dúvidas para múltiplas interpretações.
Caim é um dessas personagens que ainda hoje suscitam curiosidade e discussão pelo acto de este ter morto o seu irmão Abel e mesmo assim ter sido perdoado por Deus deste acto tão terrorífico.

Porquê o perdão de Deus a Caim? Porque razão passou a ser protegido por Deus, quando Este lhe colocou uma marca para lhe ninguém lhe fizesse mal?
Pensasse que até ali ninguém tivesse morrido, de acordo com a ordem Histórica da Bíblia. Estávamos no inicio dos tempos, ninguém sabia o que era morrer, muito menos sabiam o que era um homicídio. Claro que Caim ficava com grande revolta ao ver Deus aceitar os sacrifícios do seu irmão Abel e desprezar os seus, que os fazia e oferecia com grande sacrifício, pensa-se. Caim terá morto seu irmão como manifestação de raiva e só no final do acto consumado é que se terá apercebido da realidade do crime que cometeu, e que afinal tinha acabado com a vida de alguém, coisa que até aí se desconhecera. Caim terá escondido o corpo do seu irmão ao aperceber-se do que fizera. Deus ao questionar-lhe sobre o paradeiro de Abel, Caim respondeu que não sabia, terá desencadeado a ira de Deus, que se terá revoltado, não pela gravidade do crime, que o Homem desconhecia, mas por este ter escondido o corpo e pelo acto de mentira, negligência e irresponsabilidade. O Senhor poderá não ter tolerado esta atitude que o Homem desenvolveu com grande facilidade. A mesma revolta terá mostrado perante Adão e Eva que comeram do fruto proibido. Comeram do fruto, mas tentaram contrariar a verdade dos factos pela omissão e pela forma de atribuírem culpas a terceiros de forma a inocentar-se.

Tendo Deus perdoado Caim pela morte do irmão, terá este episódio trazer alguma lição para qualquer um de nós? Será que podemos passar a matar os nossos irmãos sem problemas porque seremos perdoados perante a lei divina?
É claro que não se pode generalizar a história sob a pena de provocarmos mais mortandade entre Homens e provocarmos uma espiral de ódio, sangue e morte.
Conta-se que os factos terão ocorrido no berço da civilização, onde se situa o actual Iraque. Nesses tempos, eram frequentes as guerras entre pastores e agricultores, que não tinham forma de se entender. Os agricultores dedicavam-se a vida às plantações, enquanto os pastores precisavam de alimento para os seus animais e por isso deixavam as plantações destruídas. Nesta espiral de violência seriam sucessivas as mortes. A história de Caim terá origem nestas guerras e teria um certo sentido de transmitir arrependimento, fraternidade e concórdia, coisa que até aí não existia. Não estaríamos perante uma descrição de um facto real e que terá acontecido, mas de uma parábola em que os pastores e agricultores aparecem figurados em duas personagens.
Talvez seja por esta razão que as oferendas de Abel tenham sido aceites em lugar das oferendas de Caim. Este é um episódio religioso porque na origem do mundo e do Homem este ainda não tinha capacidades de cultivo da terra e da criação de gado, partindo do pressuposto que Caim e Abel seriam a segunda geração da Humanidade.

Caim é uma personagem que representa um grande enigma para muitos porque existe a incógnita: Qual a marca que Deus cravou neste homem? A marca não foi com a intenção punitiva, mas de protecção. Mas que marca seria, capaz de ser visível aos olhos dos restantes humanos? Como saberiam os restantes seres que aquela seria uma marca de protecção?
Uns dizem que a marca foi colocada no cabelo, pois seria o primeiro Homem ruivo. Não existem provas que o sustentem. Foi também, durante tempos, e ainda defendido por alguns que a marca representa o símbolo do vampirismo. Uma outra teoria sustentada pelos textos mórmon, da igreja de Jesus Cristo dos Santos e dos Últimos Dias, indicam que a marca foi a cor da pele. Este seria negro, sendo Caim o pai da raça negra e a origem do povo africano. Esta é a razão mais conhecida, porém também sem fundamento bíblico e comprovação histórica. Além disso, a descendência de Caim teria de terminar em Noé, na altura do dilúvio.
Apesar disso, a marca de Caim não foi interpretada correctamente. Esta que seria um sinal de protecção foi entendida pelas civilizações como algo de maléfico, aterrorizador, perigoso e condenável. Caim e a sua marca passaram a ser associados à escravidão do povo negro, sujeito a sacrifícios terríveis por serem entendidos como o povo rejeitado e vagueante por terras perdidas.
Por terras perdidas e vagueante tem sido o povo Judeu, a quem durante muito tempo se atribuiu a descendência de Caim e os marcados por Deus. Enquanto que, Abel chegou a ser representado pelo povo Cristão, Caim seria semelhante em relação ao povo Judeu. Esta razão, tem sido invocada para grandes desavenças entre povos e religiões durante séculos. Acredita-se que esta teoria foi sustentada por Hitler ao condenar os Judeus à morte e ao obriga-los a andar perdidos sem quaisquer bens e conduzindo-os para campos de concentração. Este mesmo ditador marcou todo aquele que era Judeu, de forma a ser diferenciado dos restantes.
Não se sabe se o conflito do Médio-Oriente seja também ele fundamentado por esta história bíblica.

As interpretações erradas de uma passagem bíblica, que poderá ser apenas uma história figurada, será a responsável por numerosos crimes e atentados contra a Humanidade, a acreditar nas associações que foram sendo criadas? Será apenas um meio para justificar actos condenáveis? Para ilibar criminosos de seus crimes como Caim se desculpabilizou quando matou o seu irmão?
A marca a que se refere o autor bíblico pouco importa, não poderemos pensar eternamente no que seria, com o perigo de cairmos no mesmo erro, erro esse responsável por monstruosidades e a justificação de actos tão inconsequentes.
O que interessa retirar daqui, será essencialmente uma outra lição, esta mais positiva e capaz de ser mais construtiva para a Humanidade.




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HUMBERTO ECO: AS LISTAS COMO CONSTRUÇÃO DA VIDA

Manuel Pereira de Sousa, 16.03.11


Por: Manuel de Sousa

As listas como construção da nossa cultura, no sentido de organização e orientação do caos. Assim podemos entender a ideia de Umberto Eco, na recente entrevista ao jornal I, a 05-12-2009. Vivemos de listas no nosso dia-a-dia como princípio de colocarmos alguma organização em tudo o que nos rodeia. São listas de contactos, listas de tarefas, listas de compras, listas de pagamentos, listas de jornais, listas de favoritos da Web, listas de músicas e documentos nos arquivos do computador, listas telefónicas, testamentos, listas de livros, inventários, catálogos, listas de pesquisas dos motores da Web, listas, listas e listas. A vida é dependente delas como forma de enumerarmos tudo o que se vemos, temos, fazemos e sentimos. Até nos sentimentos fazemos listas quando se tenta descrever ou caracterizar o que se sente ou o que vai dentro.
Quando alguns pensavam que as listas estavam com os seus dias contados, como de um ritual primitivo se tratasse, desenganem-se porque estão para ficar, tanto quanto o Homem perdurar sobre a face da Terra. Por muito que o tempo passe, por muito que o Homem evolua na sua inteligência conviverá sempre com as listas e cada vez mais, fazendo-as evoluir mediante as suas necessidades diárias e necessidades culturais. Obviamente que as listas do séc. XVI, do tempo do Barroco não são iguais às actuais. Porém, a essências delas é a mesma, enumerar e organizar como forma de pesquisa, consulta ou de simples lembrança.
As listas são importantes como modelo de construção e organização da nossa cultura e do vasto conhecimento que desenvolvemos desde os nossos princípios existenciais.




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