Por: Manuel de Sousa

O povo português e o Papa Bento XVI levarão muito tempo a digerir tudo aquilo que se passou em Portugal nos dias 11, 12, 13 e 14, em Lisboa, Fátima e no Porto. Portugal viveu de forma jubilosa a vinda do Santo Padre. De uma forma jubilosa, que não se imaginava ser a este ponto e a esta medida, embora todo o programa tenha sido muito bem preparado e se esperasse muita gente. Porém, as expectativas foram completamente ultrapassadas. Ultrapassadas da parte dos portugueses que acolheram o Papa e dele viram uma pessoa bem diferente do que nos foi transmitido e da imagem que se foi criando ao longo dos tempos. O próprio Bento XVI não será o mesmo, em certa medida, depois de tão calorosamente recebido por nós. A sua postura mais séria e recta alterou com o passar do tempo e a cada manifestação popular vi uma pessoa próxima, carinhosa, sorridente junto de várias pessoas, ainda que tivesse de romper por várias vezes o protocolo estabelecido, a ponto de preocupar as autoridades.

As expectativas foram superadas para os crentes que aguardavam uma mensagem de esperança, conforto, num mundo conturbado, em crise económica e de valores, com tendência a formatar o Homem no imediato, em detrimento da cultura e do pensamento. Vivemos em crise económica com aumentos de impostos e para enfrentar tempos difíceis será necessária coragem, partilha e união de todos, sobretudo dos que menos podem.

Numa Igreja pesada, em confronto com valores e ideais que se alteram de forma rápida e sem possibilidade de alteração, sem renunciar aos dogmas, e em risco de se perder no tempo, foi positivo todo o movimento juvenil que se gerou nestes dias. Com estes movimentos de jovens foi possível mostrar que ainda existe a possibilidade de continuidade num caminho profundamente doloroso e conturbado.

A viagem Apostólica de Bento XVI a Portugal tocou em muitos pontos importantes e sobre os quais é necessário reflectir, sobretudo para os Católicos praticantes ou não.

1 - Teve a coragem de falar da necessidade de purificação e penitência de uma Igreja pecadora e que, nem sempre, é exemplo de uma doutrina que apregoa aos fiéis. Reconhece a necessidade de se investigar e julgar os casos de pedofilia que permaneceram esquecidos, para mal das vítimas. A expulsão desses sacerdotes e o julgamento civil será um dos passos a serem efectuados. Desde 2005 que Bento XVI, ainda Cardeal, fala da pedofilia. Foi considerado um reaccionário ou tolo. Se ele não fosse Papa, será que os casos teriam sido tornados públicos ou permaneceriam abafados?

2 - À chegada do Aeroporto da Portela, no dia 11, manifestou agrado pela visita e expectativa e relembrou a necessidade e importância da separação da Igreja do Estado, tendo a liberdade de cada um agir em separado. Mas, tendo em conta que devem trabalhar juntos quando em prol do bem comum, sobretudo dos que são mais necessitados, sem se apegar a ideologias políticas e económicas.

3 - No seu discurso do Terreiro do Paço evocou a necessidade do mundo reflectir sobre os seus valores e a necessidade de revitalização das estruturas do Estado e da Igreja para que se mantenham vivas na sociedade.

4 - Encontrou-se no Centro Cultural de Belém com personalidades da Cultura portuguesa, que no fundo são parte da nossa imagem cultural e contribuintes da nossa História. A estes agentes da cultura, independentemente de processarem uma fé deixou-lhes a mensagem de trabalharem para o enriquecimento cultural do povo e para o aumento do conhecimento em plena abertura ao pensamento. A estes pediu que produzissem lugares de beleza porque a cultura é o contributo para a beleza, física e mental.

5 - Chega a Fátima como peregrino e como um filho que visita a sua mãe. Pede pelo mundo em convulsão e exorta para a necessidade dos Cristãos terem o seu pensamento para Fátima, mas sem esquecer que no Cristianismo a figura central é Jesus.

6 - Ainda em Fátima alerta os Bispos de que não são meros funcionários de uma instituição, mas que são parte integrante numa sociedade com quem devem trabalhar e a quem prestam serviço. Aqui relembra indirectamente o alerta já efectuado, anteriormente, à Igreja Portuguesa para a necessidade de olhar pelos mais necessitados e para aqueles que sofrem uma crise económica.

7 - No seu encontro com organizações e associações laicas e religiosas, relembra o trabalho que a Igreja tem feito no nosso país com centenas de organizações sociais que têm actuado nos mais pobres e desfavorecidos, organizações que ninguém vê nos media, mas que desempenham um papel fundamental em conjunto com outras instituições e que é importante manter e reforçar para se fazer mais e melhor. Aqui assenta os valores sociais da Igreja que são para reforçar ainda mais com mais proximidade.

Apesar de ainda mostrar conservadorismo em relação ao casamento na concepção de homem/mulher, tal não se poderia esperar que falasse do contrário com outras ideias porque a posição da Igreja é, infelizmente, nesta matéria irredutível.

8 - Já na sua visita ao Porto deixa uma palavra aos presentes para pensarem sobre o futuro que se apresenta como difícil, em que cada um terá de pensar na sua ética e nos seus valores e em que será necessário novas forma de diálogo com outras fés e crenças, na procura de um bem comum. As crises só se ultrapassam com fraternidade.




Talvez, toda esta crise derive de uma crise de valores e de falta de proximidade e fraternidade entre as pessoas. Bento XVI lembra que o lucro fácil estrangulou os valores humanos e a luta pela lei do mais forte condenou a humanidade no seu futuro.




A igreja tem de realmente definir uma clara orientação dos seus recursos e responsabilidades pelos mais fracos com respostas e objectivos claros.




É claro que, para muitos, nada disto faz qualquer sentido e nada de novo traz à sociedade actual, nada mais do que já sabemos actualmente. Porém, existe a necessidade de se ouvirem palavras e conselhos para a continuidade da caminhada que cada um tem de cumprir. Este estado social em que vivemos também precisa de ouvir uma palavra amiga no meio de tantos sacrifícios e adversidades com que se confronta no dia-a-dia. Acredito que, a muita gente, estas palavras tenham feito sentido. Se para essas pessoas lhes traz alento, força e sentido de procura do bem comum, crentes ou não, já terá valido de alguma coisa.

As comparações de Bento XVI com João Paulo II não podem ser efectuadas. São pessoas distintas, com percursos distintos. O anterior era muito mais expressivo. Bento XVI também o é, mas contido quando necessário porque na vida também é preciso contenção e reflexão para não aceitarmos o imediato que nos oferecem e que torna a Humanidade sem conteúdo. Que ao menos tudo isto nos faça questionar.




Esta visita apostólica levará muito tempo a digerir e só o tempo dirá o que de bom poderá resultar para Bento XVI e para aqueles que, de alguma forma, buscaram alguma coisa ainda que nem sempre definida.





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